sexta-feira, 16 de abril de 2010

REFLEXÕES DE FIDEL

Só TEXTO / Assinatura jornal impreso














Havana. 9 de Abril, de 2010



Reflexões de Fidel
O 9º Congresso da União de Jovens Comunistas de Cuba

• TIVE o privilégio de acompanhar diretamente voz, imagens, ideias, argumentos, rostos, reações e aplausos dos delegados participantes da sessão final do 9º Congresso da União de Jovens Comunistas de Cuba, que teve lugar no Palácio das Convenções no passado domingo 4 de abril. As câmeras de televisão detalham de proximidades e ângulos muito melhores que os olhos das pessoas presentes em qualquer desses eventos.

Não exagero se disser que foi um dos momentos mais emocionantes de minha longa e arriscada vida. Não podia estar ali, mas o experimentei dentro de mim, como quem percorre o mundo das ideias pelas quais lutou as três quartas partes de sua existência. Contudo, de nada valeriam ideias e valores para um revolucionário, sem o dever de lutar cada minuto de sua vida para vencer a ignorância com que todos nós viemos ao mundo.

Apesar de que poucos o admitam, o azar e as circunstâncias desempenham um papel decisivo nos frutos de qualquer obra humana.

Entristece pensar em tantos revolucionários, com muitos mais méritos, que não puderam sequer conhecer o dia da vitória da causa pela qual lutaram e morreram, fosse independência ou uma profunda revolução social em Cuba. Ambas afinal inseparavelmente unidas.

Desde meados de 1950, ano em que conclui meus estudos universitários, considerava-me um revolucionário radical e avançado, graças às ideias que recebi de Martí, Marx e, junto a eles, uma legião incontável de pensadores e heróis desejosos dum mundo mais justo. Tinha decorrido então quase um século desde que nossos compatriotas iniciaram em 10 de outubro de 1868 a primeira guerra de independência de nosso país contra o que restava na América dum império colonial e escravista. O poderoso vizinho do Norte tinha decidido anexar-se a nosso país como fruta madura duma árvore podre. Na Europa tinham surgido já com força a luta e as ideias socialistas do proletariado contra a sociedade burguesa que tomou o poder por lei histórica durante a Revolução Francesa desatada em julho de 1789 inspirada nas ideias de Juan Jacob Rousseau e dos enciclopedistas do século XVIII, as quais constituíram igualmente as bases da Declaração de Filadélfia em 4 de julho de 1776, portadora das ideias revolucionárias daquela época. Com crescente frequência na história humana, os acontecimentos se misturam e superpõem.

O espírito auto-crítico, a incessante necessidade de estudar, observar e refletir, são, em minha opinião, características das que nenhum dirigente revolucionário pode prescindir.

Minhas ideias, desde muito cedo, eram já irreconciliáveis com a odiosa exploração do homem pelo homem, conceito brutal em que se baseava a sociedade cubana sob a égide do país imperialista mais poderoso que existiu. A questão fundamental, em plena Guerra Fria, era a busca duma estratégia que se ajustasse às condições concretas e peculiares de nosso pequeno país, submetido ao abjeto sistema econômico imposto a um povo semi-analfabeto, apesar da singular tradição heróica, através da força militar, do engano e do monopólio dos meios de informação, que convertiam em atos reflexos as opiniões políticas da imensa maioria dos cidadãos. Apesar dessa triste realidade, não podiam, contudo, impedir o profundo mal-estar que espalhavam na imensa maioria da população a exploração e os abusos de tal sistema.

Depois da Segunda Guerra Mundial pela repartição do planeta, que foi a causa da segunda carnificina ― separada da anterior por apenas 20 anos, desatada desta vez pela extrema-direita fascista, que custou a vida a mais de 50 milhões de pessoas, entre elas aproximadamente de 27 milhões de soviéticos ―, no mundo prevaleceram por um tempo os sentimentos democráticos, as simpatias pela URSS, pela China e pelos demais Estados aliados naquela guerra que acabou com o uso desnecessário de duas bombas atômicas, que causaram a morte de centenas de milhares de pessoas em duas cidades indefensas duma potência já derrotada pelo avanço incontrolável das forças aliadas, inclusive das tropas do Exército Vermelho, que em breves dias tinham liquidado o poderoso exército japonês de Manchúria.

A Guerra Fria foi iniciada pelo novo presidente dos Estados Unidos quase imediatamente depois da vitória. O anterior, Franklin D. Roosevelt, que gozava de prestígio e simpatia internacional por sua posição antifascista, morreu depois de sua terceira reeleição, antes de terminar aquela guerra. Substituído então por seu vice-presidente Harry Truman, um homem sem brilho e medíocre, foi este o responsável daquela política funesta.

Os Estados Unidos, único país desenvolvido que não sofreu destruição alguma devido a sua posição geográfica, entesourava quase todo o ouro do planeta e os excedentes da produção industrial e agrícola, e impôs condições onerosas à economia mundial através do famoso acordo de Bretton Woods, de funestas consequências que ainda perduram.

Antes de se iniciar a Guerra Fria, na própria Cuba existia uma Constituição bastante progressista, a esperança e as possibilidades de mudanças democráticas apesar de que nunca, com certeza, as duma revolução social. A liquidação dessa Constituição por um golpe reacionário em meio da Guerra Fria, abriu as portas à Revolução socialista em nossa Pátria, que foi a contribuição fundamental de nossa geração.

O mérito da Revolução Cubana se pode medir pelo fato de que um país tão pequeno tenha podido resistir durante tanto tempo a política hostil e as medidas criminosas lançadas contra nosso povo pelo império mais poderoso surgido na história da humanidade, o qual, acostumado a manejar a sua vontade os países do hemisfério, subestimou a uma nação pequena, dependente e pobre a poucas milhas de suas costas. Isso não teria sido jamais possível sem a dignidade e a ética que caracterizaram sempre as ações da política de Cuba, assediada por repugnantes mentiras e calúnias. Junto à ética, forjaram-se a cultura e a consciência que fizeram possível a proeza de resistir durante mais de 50 anos. Não foi um mérito particular de seus líderes, senão fundamentalmente de seu povo.

A enorme diferença entre o passado ― em que apenas podia ser pronunciada a palavra socialismo ― e o presente, pôde perceber-se no dia da sessão final do 9º Congresso da União de Jovens Comunistas de Cuba, nos discursos dos delegados e nas palavras do presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros.

É muito conveniente que o que ali disseram seja reproduzido e conhecido dentro e fora do país a través da mídia mais variada, nem tanto o que se refere aos nossos compatriotas, curtidos nesta luta durante longo tempo, mas o referido aos povos do mundo convém conhecer a verdade e as gravíssimas consequências até onde o império e seus aliados conduzem à humanidade.

Em suas palavras de encerramento, breves, profundas, precisas, Raúl pôs os pingos nos is em vários temas de suma importância. O discurso foi uma estocada profunda nas entranhas do império e seus cínicos aliados, ao expressar críticas e autocríticas que fazem mais fortes e incomovíveis a moral e a força da Revolução Cubana, se somos consequentes com o que cada dia nos ensina um processo tão dialético e profundo nas condições concretas de Cuba.

Tão acostumado estava o império a impor sua vontade, que menosprezou a resistência de que é capaz um pequeno país latino-americano do Caribe, a 90 milhas de suas costas, no qual era proprietário de suas riquezas fundamentais, monopolizava o controle de suas relações comerciais e políticas, e impôs pela força uma base militar contra a decisão da nação, sob o manto dum acordo legal ao que deram também caráter constitucional. Menosprezaram o valor das ideias frente a seu imenso poder.

Raúl lhes recordou como as forças mercenárias foram derrotadas na Baía dos Porcos antes de se completar 72 horas do desembarque, aos olhos da frota naval ianque; a firmeza com que nosso povo se manteve incomovível na Crise dos Mísseis de 1962, ao não aceitar a inspeção de nosso território pelos Estados Unidos ― após a fórmula inconsulta do acordo entre a URSS e tal país que ignorava a soberania nacional ― apesar do incalculável número de armas nucleares que apontavam contra a ilha.

Também não faltou a referência às consequências da desintegração da URSS, que significou a queda de 35% de nosso PIB e 85% do comércio exterior de Cuba, ao qual se somou a intensificação do criminoso bloqueio comercial, econômico e financeiro a nossa Pátria.

Quase 20 anos decorreram depois daquele triste e funesto acontecimento e, contudo, Cuba continua em pé decidida a resistir. Por isso, adquire especial importância a necessidade de superar e vencer todo o que conspire contra o desenvolvimento de nossa economia. Raúl não deixou de recordar que hoje o sistema imperialista imposto ao planeta ameaça seriamente a sobrevivência da espécie humana.

Contamos atualmente com um povo que passou do analfabetismo a um dos mais altos níveis de educação do mundo, que é dono da mídia em massa, e pode ser capaz de criar a consciência necessária para superar dificuldades antigas e novas. Independentemente da necessidade de promover os conhecimentos, seria absurdo ignorar que, num mundo cada vez mais complexo e mudável, a necessidade de trabalhar e de criar os bens materiais que a sociedade necessita constitui o dever fundamental dum cidadão. A Revolução proclamou a universalização dos conhecimentos, ciente de que quanto mais conheça, mais útil será o ser humano em sua vida; mas nunca se deixou de exaltar o dever sagrado do trabalho que a sociedade requer. O trabalho físico é, pelo contrário, una necessidade da educação e da saúde humana, por isso, seguindo um princípio martiano, proclamou-se de muito cedo o conceito de estudo e trabalho. Nossa educação avançou consideravelmente quando se proclamou o dever de ser professores e dezenas de milhares de jovens optaram pelo ensino ― ou o que fosse mais necessário para a sociedade. O esquecimento de quaisquer destes princípios entraria em conflito com a construção do socialismo.

Igual que todos os povos do Terceiro Mundo, Cuba é vítima do roubo descarado de cérebros e força de trabalho jovem; não se pode cooperar jamais com esse saque de nossos recursos humanos.

A tarefa à qual cada pessoa consagre sua vida, não pode ser apenas fruto do desejo pessoal, mas também da educação. A qualificação é uma necessidade irrenunciável de qualquer sociedade humana.

Os dirigentes do Partido e do Estado deverão enfrentar problemas cada vez mais complexos. Dos responsáveis da educação se demandarão maiores conhecimentos que nunca da história e da economia, precisamente pela complexidade de seu trabalho. Basta ler as notícias que chegam todos os dias de todas as partes para compreender que a ignorância e a superficialidade são absolutamente incompatíveis com as responsabilidades políticas. Os reacionários, os mercenários, os que anelam consumismo e recusam o trabalho e o estudo, terão cada vez menos espaço na vida pública. Não faltarão jamais na sociedade humana os demagogos, os oportunistas, os que anelam soluções fáceis na procura de popularidade, mas os que traem a ética terão cada vez menos possibilidades de enganar. A luta nos ensinou o dano que podem causar o oportunismo e a traição.

A educação dos dirigentes será a tarefa mais importante que os partidos revolucionários deverão dominar. Não haverá jamais soluções fáceis, o rigor e a exigência terão que prevalecer. Cuidemo-nos especialmente também daqueles que junto à água suja vertem os princípios e os sonhos dos povos.

Há dias desejava falar do Congresso da Juventude, mas preferi esperar sua divulgação e não roubar espaço algum à imprensa.

Ontem, sete de abril, foi o aniversário de Vilma. Escutei com emoção, a través da televisão, sua própria voz acompanhada pelos finos acordes dum piano. Cada dia valoro mais seu trabalho e tudo o que fez pela Revolução e pela mulher cubana. As razões para lutar e para vencer multiplicam-se a cada dia.



Fidel Castro Ruz
8 de abril de 2010
15h40 •

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