sexta-feira, 2 de abril de 2010

8.00 HORAS

8.00 horas. A mulher do ponto ensina a assinar o livro. A mando da Comandante, sou levado pela primeira assessora, a uma sala mofada, barulhenta e repleta de arquivos. Descobri ali sonhos encaixotados para sempre. É a chamada “morte escolar”. A segunda secretária desperta temor. Descobre-se posteriormente, tratar-se de pessoa amena e bondosa. A terceira, com aparência séria, são os outros olhos da Chefe. Atrás dos óculos uma criatura extraordinária, alegre e solidária. Na pequena mesa estou ao lado de três mulheres. A primeira, a mais procurada, loira com mechas, expansiva, resolve tudo. Mas antes uma habitual bronca. A segunda, que não é tão gordinha como se considera, fala....fala....fala.... O seu universo é o filho único. A moreninha religiosa e séria com sua determinação viveria em plena selva. Na sala do café, a telefonista bocejando ouve relatos do fim de semana do motorista, que é impõe respeito pela personalidade e presença. A mulher do xérox anda tropegamente, indiferente ao mundo que a rodeia, cumpre zelosamente seu ofício, como missão. O Protocolo: ali residem figuras singulares. A chefe, desperta temor e reverência. Cumpre sem deslize seu trabalho, sempre igual, de mais de 30 anos. O seu auxiliar para caixas, expõe a sua condição de bacharel em direito e relata o seus sonho. Sonha com a aposentadoria. As outras acompanham a chefe religiosamente. A pequena grande cacique, magrinha, frágil, sem alterar a voz comanda com suavidade o seu Setor. Do lado, uma morena brincalhona e séria ao mesmo tempo, com suas tiradas espirituosas. E o carequinha que transita de um lado para o outro diz que no passado foi atleta profissional, por isso a dor na espinha infindável que o impede de serviços mais pesados. Os graduados andam apressadamente de um lado para o outro, esbarrando em professores que transitam de em busca de alguma coisa. As da cozinha refletem vidas felizes e organizadas. Algumas vezes estampam dureza nos rostos. Sabe-se que do outro lado existem outros setores, invisíveis. Da oficina, ouve-se um burburinho permanente de infindáveis reuniões. Descobre-se aos poucos que todos são feitos do mesmo barro. A tristeza, a alegria, o sofrimento, as afeições e sonhos integram aquele universo: são humanos, não endurecidos pela burocracia cruel e invisível, que transforma homens em máquinas. E a vida vai seguindo seu curso, impregnada pelo relógio e o regulamento. É a espera permanente da perspectiva do sol do amanhã, que nunca chega. Em cada um encontramos um jardim secreto que passa definitivamente a integrar a nossa vida. É a beleza da descoberta de novos amigos que se tornarão amigos para sempre.

*Antonio Calixto – Este texto foi escrito em fevereiro de 2006, no meu primeiro dia de trabalho. Dedico aos companheiros de viagem. Havia acabado de ler “Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago.

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