sexta-feira, 30 de abril de 2010

DILMA

Ontem, a convite de alguns petistas amigos estive no almoço de recepção à candidata Dilma Roussef. Presentes a Suplicy, Mercandante, Palocci. Tive o privilégio de ser um dos poucos citados pelo Ministro Palocci, relembrando nossa luta contra a ditadura militar. Havia gente de todos os tipos e de todos os Partidos. A parte grande, claro, àquela que está com o Poder. Prefeitos, ex-prefeitos, Vereadores e os oportunistas de sempre. Não compactuo nem com PT, nem com PSDB. Ambos representam os mesmos segmentos conservadores e de direita que há muito vem dominando a cena política brasileira. Estamos entre a arrogância autoritária de Serra e o populismo assistencialista de Lula. Ambos comprometidos com banqueiros, empreiteiros e agro-negócio. O próprio PT está totalmente descaracterizado. Àquela antiga militância desapareceu. Hoje existe apenas a turma do "hollerith", sem vontade de transformar coisa alguma. Seguiu-se a mesma linha conservadora e de direita do Governo FHC. Isto é visto como sucesso pela Mídia, que hoje é patrocinada por todos os governos. Até o Ratinho já patrocionado pela Caixa Econômica Federal. Não existe oposição no País. Os pequenos partidos têm grande dificuldade de sobrevivência e são boicotados em todos os sentidos, e não bastasse isso, são vítimas de si próprios, com lutas internas totalmente incompreensíveis. É difícil ser diferente, participando e coonestando do atual sistema eleitoral, dominado pelo Poder econômico e a ignorância política até de pessoas honestas e bem intencionadas. Achei simplesmente deprimente ver uma candidata, com coragem, mas que não desfruta de boa saúde, sem qualquer emoção, enfrentar uma luta desta natureza, apenas porque o "Chefete de Plantão", considera importante, que não surjam novas lideranças e que pelo fato de ser a ex- Ministra apenas uma técnica , não terá vida política longa. Quem sabe, o futuro é imprevisível,principalmente na política brasileira, onde não existem Partidos com idéias e programas, onde os políticos, em sua maioria, são adesistas e fisiológicos e a cada eleição existe a predominância maior do Poder Econômico (leia-se banqueiros, usineiros, empreiteiros, etc), tudo isso, à custa do povo brasileiro, que está feliz com o mínimo que recebe, penhorados nos bancos pelaos financiamentos a longo prazo, pelos empréstimos consignados. Enfim, ainda dá para tomar uma cerveja barata no fim de semana, fazer um churrasquinho e ser feliz com a família. Os filhos, ora bolas, vão para a escola pública, o espaço mais democrático que temos, mas totalmente sucateada. Saúde, temos o SUS e os Postos Municipais, além tudo a perspectiva da casa própria, com financiamentos sem fim, que fazem a festa de banqueiros e empreiteiros. E aí vai o Brasil, como País de periferia, que alguns economistas julgam influenciar as grandes potências mundiais. Somente a História resgatará os milhões de miseráveis abaixo da linha da pobreza e quem sabe um dia, ainda que longínquo, a sociedade com conscientização, organização, dará um basta a tudo isso.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

O ANALFABETO POLÍTICO


O pior analfabeto é o analfabeto político,
Ele não ouve, não fala,nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,o preço do feijão, do peixe, da farinha,do aluguel, do sapato e do remédiodependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendoque odeia a política.
Não sabe o imbecil que,da sua ignorância políticanasce a prostituta, o menor abandonado,e o pior de todos os bandidos,que é o político vigarista,pilantra, corrupto e o lacaio das empresas nacionais e multinacionais.
(Berthold Brecht
)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

PENSAMENTOS DE SAINT-EXUPÉRY


“Estou profundamente triste, - e em profundidade (...) Estou triste por causa de minha geração que se está esvaziando de toda substância humana. Que, só tendo conhecido o bar, as matemáticas e os “Bugatti” como formas de vida espiritual, acha-se hoje em uma ação estritamente gregária que não tem mais cor alguma.”
“Odeio meu tempo com todas as veras do coração (...) Odeio este tempo em que o homem se torna, debaixo de um totalitarismo universal, rebanho manso, polido e tranqüilo”. (na famosa carta ao General Chambe )
“Nada está mais ameaçado do que a esperança”

Sobre a técnica, o avião - em Terre des Hommes:
“Uma ferramenta como as outras... Como o arado. Além da ferramenta e através dela, é a velha natureza humana que encontramos. A do jardineiro, do navegador, do poeta”.
Saint-Exupéry teme que o homem se torne o “homem-cupim”, “o homem castrado de todo o seu poder criador e que, do fundo de sua aldeia, não sabe mais criar nem mesmo uma dança nem uma canção”. ...o homem que se alimenta de cultura de confecção, de cultura-standard como se alimentam os bois de capim.”

Sobre a morte:
“Há uma extraordinária sensação que acompanha, às vezes a iminência da morte: um descanso inesperado”.
“Como contar esses campos e esse calmo sol? Como dizer: "compreendi os campos, o sol”... “E no entanto, era verdade. Durante alguns segundos, senti, em sua plenitude, a cintilante calma deste dia.”
“Não é a morte que me aterroriza. Parece-me quase doce quando está ligada à vida”.
Quando, em 1940, soube da morte de Guillaumet, escreve muito sobriamente: “Não o lamento. Jamais pude lamentar os mortos...“ “Tenho uma extrema necessidade de considerar que tudo é simples. É simples nascer. E simples crescer. E simples morrer de sede.”
“A morte e eu nunca nos encontramos; se ela é, eu já não sou mais; se eu sou, ela não é ainda”.
“O que se teme é o inesperado, a explosão, tem-se medo de si mesmo. A morte? Não. Não há mais morte quando a encontramos.”
“Quando se desfaz o corpo, aparece o essencial. O homem não passa de um nó de relações. Somente as relações contam para o homem. O corpo, velho cavalo, é abandonado.”
“Parecerei morto, mas não é verdade (...) Compreenda, é longe demais. Não posso levar este corpo. Pesa muito (...) Mas será como uma velha casca abandonada. Que tristezas trazem as velhas cascas ?" (no Pequeno Príncipe)
“O que dá um sentido à vida dá à morte um sentido.”
“A significação da morte equilibra a morte”.
“Só aceitas morrer por aquilo por que podes viver.”
“Ninguém morre por carneiros, nem por cabras, nem por casas, nem por montanhas, pois os objetos subsistem sem que nada lhes seja sacrificado. Morre-se, porem, para salvar o invisível nó que os liga e os transforma em domínio, em império, em rosto reconhecível e familiar.”
“Contra esta unidade a gente se troca, pois se constrói quando se morre. A morte vale por causa do amor. E aquele que lentamente trocou sua vida pela obra bem feita e que dura mais do que a vida, pelo templo que caminha através dos séculos, aceita também morrer se seus olhos souberem destacar o palácio do disparate dos materiais e se deixa fascinar pela sua magnificência e deseja nele fundir-se”.
“Pois será recebido por algo maior do que ele e se entrega ao seu amor”.
Abertura do livro "TERRA DOS HOMENS":

MAIS coisas sobre nós mesmos nos ensina a terra que todos os livros. Porque nos oferece resistência. Ao se medir com um obstáculo o homem aprende a se conhecer; para superá-lo, entretanto, ele precisa de ferramenta. Urna plaina, uma charrua. O camponês, em sua labuta, vai arrancando lentamente alguns segredos à natureza; e a verdade que ele obtém é universal. Assim o avião, ferramenta das linhas aéreas, envolve o homem em todos os velhos problemas.
Trago sempre nos olhos a imagem de minha primeira noite de vôo, na Argentina — uma noite escura onde apenas cintilavam, como estrelas, pequenas luzes perdidas na planície.
Cada uma dessas luzes marcava, no oceano da escuridão, o milagre de uma consciência. Sob aquele teto alguém lia, ou meditava, ou fazia confidências. Naquela outra casa alguém sondava o espaço ou se consumia em cálculos sobre a nebulosa de Andrômeda. Mais além seria, talvez, a hora do amor. De longe em longe brilhavam esses fogos no campo, como que pedindo sustento. Até os mais discretos: o do poeta, o do professor, o do carpinteiro. Mas entre essas estrelas vivas, tantas janelas fechadas, tantas estrelas extintas, tantos homens adormecidos...
É preciso a gente tentar se reunir. É preciso a gente fazer um esforço para se comunicar com algumas dessas luzes que brilham, de longe em longe, ao longo da planura.
MOZART assassinado...
Ao concluir Terra dos Homens, na última página do livro, parte final, Saint-Exupéry escreve:
Sento-me diante de um casal. Entre o homem e a mulher a criança, bem ou mal, havia se alojado, e dormia. Volta-se, porém, no sono, e seu rosto me aparece sob a luz da lâmpada. Ah, que lindo rosto! Havia nascido daquele casal uma espécie de fruto dourado. Daqueles pesados animais havia nascido um prodígio de graça e encanto. Inclinei-me sobre a testa lisa, a pequena boca ingênua. E disse comigo mesmo: eis a face de um músico, eis Mozart criança, eis uma bela promessa da vida. Não são diferentes dele os belos príncipes das lendas. Protegido, educado, cultivado, que não seria ele? Quando, por mutação, nasce nos jardins uma rosa nova, os jardineiros se alvoroçam. A rosa é isolada, é cultivada, é favorecida. Mas não há jardineiros para os homens. Mozart criança irá para a estranha má­quina de entortar homens. Mozart fará suas alegrias mais altas da música podre na sujeira dos cafés-concerto. Mozart está condenado.
Voltei para o meu carro. E pensava: essa gente quase não sofre o seu destino. E o que me atormenta aqui não é a caridade. Não se trata da gente se comover sobre uma ferida eternamente aberta. Os que a levam não a sentem. É alguma coisa como a espécie humana, e não o indivíduo, que está ferida, que está lesada.
Não creio na piedade. O que me atormenta é o ponto de vista do jardineiro. O que me atormenta não é essa miséria na qual, afinal de contas, um homem se acostuma, como no ócio. Gerações de orientais vivem na sujeira e gostam de viver assim.
O que me atormenta, as sopas populares não remedeiam. O que me atormenta não são essas faces escavadas nem essa feiúra. É um pouco em cada um desses homens, Mozart assassinado.
*
Só o Espírito, soprando sobre a argila, pode criar o Homem.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

SEGUNDA-FEIRA

Segunda-feira. Alguns companheiros de repartição preparam um projeto de iniciativa popular, objetivando eliminar um dia tão difícil. É na segunda que ainda estamos recuperando do sábado e domingo, dias de indolência, onde se come e bebe muito. É na segunda que às pessoas resolvem acertar todos problemas. Deixam tudo para a segunda. Ao contrário, é o dia que não procuro ninguém, porque você não acha ninguém de bom humor. Todos estão buscando a cura da ressaca anterior. Se você tiver um problema, não deixe para segunda. É na segunda é que aparecem os chatos, as contas para pagar, os telefonemas idiotas. Tudo que torna o dia pior. Um conselho: não procure ninguém na segunda-feira. Procure na terça ou quarta, no período da tarde. É melhor. As pessoas estão de bom humor e recuperadas dos dias anteriores. É nessa condição, que eu acredito que a iniciativa de retirar a segunda da semana terá pleno êxito. É um desejo da maioria do povo brasileiro. Esta maioria encantadora, que adora BBB, que assisti "Fantástico", aguenta o "Faustão" e na véspera ainda vê Raul Gil, quando não Luciano Hulk. A única coisa razoável de se ver é futebol. Porque é algo descompromissado. É tudo igual. E principalmente quando não tem Galvão Bueno e automobilismo. E para agravar a segunda-feira, ainda temos a Hebe Camargo. Bom também, também tem o "CQC' e "Roda Vida", que ajudam a encerrar um pouco melhor o dia. É neste dia que as pessoas estão aceleradas. E não sabem que sem elas o mundo vai em frente e anda normalmente. Já não lembra mais da missa de 7º dia. Um mês então, nem pensar. É bom que se saiba que você é apenas um graõzinho de areia, ou nem isso, em meio ao infinito. É bom saber que lá rua Direita em São Paulo, por mais rico e poder que tenha, você é um mero desconhecido. Anda pela 25 de Março que não será notado. Então porque tanta vaidade, tanta ambição, tão exibicionismo, tanto consumismo. Olhe para seu próximo, o próximo mesmo, àquele que está ao seu lado, mergulhado no seu próprio universo, que a vida fluirá melhor. Mais do que isso, uma forma de livrarmos da segunda ingrata, tediosa e que demora a acabar.

domingo, 18 de abril de 2010

A VIZINHA SOU EU

Por dormir com as galinhas, como se diz nas cidades de Santo Antonio da Alegria e Altinópolis, onde cresci, acordei às 5.00 horas da manhã. Às 6.00 fiz o café do porteiro, já que hoje é domingo e a cozinha do prédio não abre. Li rapidamente os jornais. Acabei dormindo de novo assistindo o Globo Rural e acordei com programa de automobilismo, com a gritaria do Galvão Bueno. Após nova escovação dos dentes, resolvi passar outro café. Estava tão bom. Era um verdadeiro arábico do sudeste mineiro. Não podia deixar de partilhar o café com Sônia. Sônia é minha esposa. Que é dedicada a tudo. Aos amigos, ao filho, a nora e atualmente a Saskia, nossa neta, que fez a vida, que já era agitada pelas contas que nunca fechavam, renascer. Somente a ternura e a bondade desta mulher poderia suportar por mais de trinta anos um gênio irriquieto, às vezes angustiado e atormentado do marido. Que às vez fala sem pensar e até ofende causticamente, mesmo sem intenção. Voltando ao café. Estava tão bom que não poderia deixar de ser dividido. Àquela mulher de tantas virtudes, professora e pianista que não toca, tinha uma pequena dificuldade em sair de seu leito. Mesmo dormindo cedo. Acreditado na sua incomensurável boa fé fui sorrateiramente ao seu quarto e disse que uma vizinha estava ao interfone. Não sabia o nome. Disse a ela que pediria a vizinha que ligasse dentro de quinze minutos. Ela concordou. Antes de 15 minutos, algo raro, estava de pé, saltitante para atender o apelo da vizinha. Aliás, nunca se se furtou a se solidarizar com ninguém. O que era em casa. Era na rua, com parentes, com amigos, com estranhos. Sempre pronta, se não podia ajudar materialmente, externava afeto, solidariedade, amizade. Uma palavra de harmonia, paz, amizade, estímulo e fraternidade era a tônica de sua vida. Era religiosa, embora não precisasse pertencer a religião alguma. Seus atos se enquadravam em qualquer religião que falasse de amor. O amor verdadeiro. O amor "além da ninhada". A sua bondade era natural, não fazia esforço. Era sua vida que fluía na melhor forma de viver. Sem ambições pessoais, sem grandes vaidades. A sua bondade era até ingênua muitas vezes. Vivia seus dramas, que pela sua maneira generosa de ser eram poucos, mas incorporava o drama dos outros. Quando sentou-se saboreou o caríssimo café arábico, perguntou novamente pela vizinha, que não interfonava. Respondi, tranquilamente que a "vizinha sou eu". Em vez de chateação um sorriso, por entender naquele gesto de café dividido, um gesto de amor.

sábado, 17 de abril de 2010

DISCORDÂNCIA

Permito-me, respeitosamente, discorcordar da pesquisadora Cláudia Souza Passador (USP), para dizer que as causas das reclamações trabalhistas, por contrações de servidores terceirizados, não se encontra na elaboração de contratos por "técnicos especializados". O contrato elaborado até verbalmente tem validade. O que determina o volume de reclamações é a contratação por parte da Prefeitura de Ribeirão Preto, de empresas sem idoneidade financeira e moral e que não pagam suas obrigações trabalhistas. O que estabelece a responsabilidade do órgão público ou particular que terceirizou os serviços é a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O que deve a Prefeitura Muncipal observar é o estabelecimento de regras rígidas na licitação dos contratos com empresas terceirizadas e que sejam moral e financeiramente idôneas, para que o contribuinte não responda pela irresponsabilidade de seus gestores públicos.

Antonio Calixto
Advogado e Professor de direito da Universade de Ribeirão Preto (UNAERP)

GLAUCO

GLAUCO

O caderno C, de "A Cidade" em matéria assinada por Angelo Davanço descreve descreve com enorme sensibilidade os passos do cartunista Glauco, em Ribeirão Preto. A matéria fala da importância de pessoas não menos importantes na vida de Glauco, os poetas da vida e, sonhadores de um novo tempo: José Hamilton e Rosana Zaidan. Consternado, como o Brasil inteiro, deixo a minha solidariedade ao Pelicano, seu irmão. Singelo e querido amigo, de encontros casuais. Encontros marcados pela ironia e simplicidade de seu corpo magro, com sua presença , circulando com humildade pelas nossas ruas, traduz a certeza de que Glauco não morreu.

Abraços,

ANTONIO CALIXTO
ex-deputado e professor

Carta publicada no jornal "A Cidade"

PROFESSOR

É lamentável que a conceituada "Folha de São Paulo" desinforme o leitor sobre a real situação da educação no Estado de São Paulo. O que existe é um gasto exagerado em avaliações confusas, desnecessárias e que nada acrescentam ao cipoal de ilegalidades cometidas pela Secretaria da Educação. Avaliações caríssimas, contratos a peso de ouro, para corrigir falhas acumuladas pelo governo do Estado, que possui em seus quadros professores "temporários" à beira da aposentaria e que dedicaram suas vidas ao ensino público e caprichosamente, com aval de jornalistas desinformados , são submetidos a vexatórias avaliações e testes improvisados, fonte de lucro inesgotável de lucro para empresa e que não refletem não o esforço do professor em sala de aula, obrigado a submeter-se a pressão de todos os tipos: violência, falta de equipamentos, legislação ilegal e um amontoado de erros . O Estado ao longo dos anos não fez concurso público, acumulando sucessivos erros, ajudando a alimentar a indústria dos grandes escritórios de advocacia, especializados em combater ilegalidades, sem jamais ouvir o interessado, que é o professor na ponta da linha, espezinhado, discriminado e desmoralizado por reportagens que desinformam, como a publicada , com o título "SP admite ter de usar professor reprovado" . Menos propaganda, menos gastos com avaliações e factóides desnecessários, que só desmoralizam e não melhoram a escola pública.
Antonio Calixto - (CARTA PUBLICADA NA "Folha de São Paulo"-on line

CETERP

Cumprimentos ao jornal "A Cidade" pela elucidativa entrevista com Armando Codezido, que esclarece, com alguns anos de atraso, a venda do maior patrimônio de Ribeirão Preto, a preço vil. A Ceterp sempre foi a galinha de ovos de ouro do município. Todos os prefeitos recorreram a ela em momento de dificuldades financeiras. Independentemente do apelo neoliberal e da exigência do mercado, ocorreu uma entrega passiva, do maior patrimônio público do município, com omissão das autoridades, que vergonhosamente avalisaram a venda a preço irrisório de uma empresa pioneira e exemplar.


ANTONIO CALIXTO (Vereador, Vice-Prefeito e Deputado Estadual - atualmente é advogado e Professor Universitário e efetivo da rede pública estadual)

BATATINHA

CARTA DE UM APOSENTADO A ANTONIO CALIXTO

AMIGO CALIXTO.
Não desista de lutar pelo povo. Continue escrevendo tua história. O nosso
PARLAMENTO está te esperando em Brasília. Estamos precisando lá, de pessoas dignas
e combatentes. Que tem história belíssimas aí em Ribeirão Preto e nossa região,
como Vereador, Vice-Prefeito e Deputado. A minha alegria foi também foi muito
grande, encontrando arquivos, falando de teus longos tempos de trabalhos e
militância. Nobre e amigo Calixto, um abração a toda a família. Tenha uma ótima
Semana Santa e Uma FELIZ PÁSCOA. CONTE SEMPRE COMIGO.
SEBASTIÃO MORETTI FILHO.

On Qua 24/03/10 10:48 , Antonio Calixto antoniocalixto@aasp.org.br sent:
> Prezado amigo e irmão Moretti:
>
>
>
> Você não imagina a alegria que é ser lembrado por você.
>
> São amigos como você que tornam o mundo e a vida melhor. Estarei
>
> encaminhando sua reinvindicação, que é de todos, a Bancada do PSOL. A
>
> bancada é pequena, mas é barulhenta e combativa.
>
> Abraço fraternal,
>
>
>
> Antonio calixto
>
>
>
> > >
>
> >
>

CARTA DE UM APOSENTADO AO PSOL

Ao amigo ANTONIO CALIXTO.
Não é justo, Nobre Calixto, contribuirmos 35 anos ou mais com o INSS, com uma
promessa de que um dia teríamos uma aposentadoria dígna, agora sendo-a confiscada
pelo famigerado FATOR PREVIDENCIÁRIO em até mais de 30%. Estou protocolando o pedido
de minha, submetendo-a a este corte. Os nossos governantes fizeram um absurdo tão
grande, um roubo tão grande, que não nos deram nenhuma alternativa. Já iludidamente
poderia ter me aposentado a tempos atrás, esperando que seja votado o PL. 3299/2008,
do Senador Paulo Paim, que se encontra na mão do Presidente da Câmara, Michel
Themer, aguardando as ordens do poderoso chefão, o Sr. Lula. Quanto mais espero
maior é minha perda. Perdas esta irrecuperáveis, que se demorar um ano pelo menos,
durante o resto de minha vida. Sabendo e conheço muito bem de suas lutas, seja como
advogado sindicalista, seja como vereador e deputado, que pude acompanha-lo, embora
já estou sendo confiscado, mas para que nossos irmãos não sejam, peço-lhe que interceda junto a bancada do PSOL, a cobrarem pela apreciação deste PL. 3299/2008.
Um abraço de seu amigo
SEBASTIÃO MORETTI FILHO

sexta-feira, 16 de abril de 2010

REFLEXÕES DE FIDEL

Só TEXTO / Assinatura jornal impreso














Havana. 9 de Abril, de 2010



Reflexões de Fidel
O 9º Congresso da União de Jovens Comunistas de Cuba

• TIVE o privilégio de acompanhar diretamente voz, imagens, ideias, argumentos, rostos, reações e aplausos dos delegados participantes da sessão final do 9º Congresso da União de Jovens Comunistas de Cuba, que teve lugar no Palácio das Convenções no passado domingo 4 de abril. As câmeras de televisão detalham de proximidades e ângulos muito melhores que os olhos das pessoas presentes em qualquer desses eventos.

Não exagero se disser que foi um dos momentos mais emocionantes de minha longa e arriscada vida. Não podia estar ali, mas o experimentei dentro de mim, como quem percorre o mundo das ideias pelas quais lutou as três quartas partes de sua existência. Contudo, de nada valeriam ideias e valores para um revolucionário, sem o dever de lutar cada minuto de sua vida para vencer a ignorância com que todos nós viemos ao mundo.

Apesar de que poucos o admitam, o azar e as circunstâncias desempenham um papel decisivo nos frutos de qualquer obra humana.

Entristece pensar em tantos revolucionários, com muitos mais méritos, que não puderam sequer conhecer o dia da vitória da causa pela qual lutaram e morreram, fosse independência ou uma profunda revolução social em Cuba. Ambas afinal inseparavelmente unidas.

Desde meados de 1950, ano em que conclui meus estudos universitários, considerava-me um revolucionário radical e avançado, graças às ideias que recebi de Martí, Marx e, junto a eles, uma legião incontável de pensadores e heróis desejosos dum mundo mais justo. Tinha decorrido então quase um século desde que nossos compatriotas iniciaram em 10 de outubro de 1868 a primeira guerra de independência de nosso país contra o que restava na América dum império colonial e escravista. O poderoso vizinho do Norte tinha decidido anexar-se a nosso país como fruta madura duma árvore podre. Na Europa tinham surgido já com força a luta e as ideias socialistas do proletariado contra a sociedade burguesa que tomou o poder por lei histórica durante a Revolução Francesa desatada em julho de 1789 inspirada nas ideias de Juan Jacob Rousseau e dos enciclopedistas do século XVIII, as quais constituíram igualmente as bases da Declaração de Filadélfia em 4 de julho de 1776, portadora das ideias revolucionárias daquela época. Com crescente frequência na história humana, os acontecimentos se misturam e superpõem.

O espírito auto-crítico, a incessante necessidade de estudar, observar e refletir, são, em minha opinião, características das que nenhum dirigente revolucionário pode prescindir.

Minhas ideias, desde muito cedo, eram já irreconciliáveis com a odiosa exploração do homem pelo homem, conceito brutal em que se baseava a sociedade cubana sob a égide do país imperialista mais poderoso que existiu. A questão fundamental, em plena Guerra Fria, era a busca duma estratégia que se ajustasse às condições concretas e peculiares de nosso pequeno país, submetido ao abjeto sistema econômico imposto a um povo semi-analfabeto, apesar da singular tradição heróica, através da força militar, do engano e do monopólio dos meios de informação, que convertiam em atos reflexos as opiniões políticas da imensa maioria dos cidadãos. Apesar dessa triste realidade, não podiam, contudo, impedir o profundo mal-estar que espalhavam na imensa maioria da população a exploração e os abusos de tal sistema.

Depois da Segunda Guerra Mundial pela repartição do planeta, que foi a causa da segunda carnificina ― separada da anterior por apenas 20 anos, desatada desta vez pela extrema-direita fascista, que custou a vida a mais de 50 milhões de pessoas, entre elas aproximadamente de 27 milhões de soviéticos ―, no mundo prevaleceram por um tempo os sentimentos democráticos, as simpatias pela URSS, pela China e pelos demais Estados aliados naquela guerra que acabou com o uso desnecessário de duas bombas atômicas, que causaram a morte de centenas de milhares de pessoas em duas cidades indefensas duma potência já derrotada pelo avanço incontrolável das forças aliadas, inclusive das tropas do Exército Vermelho, que em breves dias tinham liquidado o poderoso exército japonês de Manchúria.

A Guerra Fria foi iniciada pelo novo presidente dos Estados Unidos quase imediatamente depois da vitória. O anterior, Franklin D. Roosevelt, que gozava de prestígio e simpatia internacional por sua posição antifascista, morreu depois de sua terceira reeleição, antes de terminar aquela guerra. Substituído então por seu vice-presidente Harry Truman, um homem sem brilho e medíocre, foi este o responsável daquela política funesta.

Os Estados Unidos, único país desenvolvido que não sofreu destruição alguma devido a sua posição geográfica, entesourava quase todo o ouro do planeta e os excedentes da produção industrial e agrícola, e impôs condições onerosas à economia mundial através do famoso acordo de Bretton Woods, de funestas consequências que ainda perduram.

Antes de se iniciar a Guerra Fria, na própria Cuba existia uma Constituição bastante progressista, a esperança e as possibilidades de mudanças democráticas apesar de que nunca, com certeza, as duma revolução social. A liquidação dessa Constituição por um golpe reacionário em meio da Guerra Fria, abriu as portas à Revolução socialista em nossa Pátria, que foi a contribuição fundamental de nossa geração.

O mérito da Revolução Cubana se pode medir pelo fato de que um país tão pequeno tenha podido resistir durante tanto tempo a política hostil e as medidas criminosas lançadas contra nosso povo pelo império mais poderoso surgido na história da humanidade, o qual, acostumado a manejar a sua vontade os países do hemisfério, subestimou a uma nação pequena, dependente e pobre a poucas milhas de suas costas. Isso não teria sido jamais possível sem a dignidade e a ética que caracterizaram sempre as ações da política de Cuba, assediada por repugnantes mentiras e calúnias. Junto à ética, forjaram-se a cultura e a consciência que fizeram possível a proeza de resistir durante mais de 50 anos. Não foi um mérito particular de seus líderes, senão fundamentalmente de seu povo.

A enorme diferença entre o passado ― em que apenas podia ser pronunciada a palavra socialismo ― e o presente, pôde perceber-se no dia da sessão final do 9º Congresso da União de Jovens Comunistas de Cuba, nos discursos dos delegados e nas palavras do presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros.

É muito conveniente que o que ali disseram seja reproduzido e conhecido dentro e fora do país a través da mídia mais variada, nem tanto o que se refere aos nossos compatriotas, curtidos nesta luta durante longo tempo, mas o referido aos povos do mundo convém conhecer a verdade e as gravíssimas consequências até onde o império e seus aliados conduzem à humanidade.

Em suas palavras de encerramento, breves, profundas, precisas, Raúl pôs os pingos nos is em vários temas de suma importância. O discurso foi uma estocada profunda nas entranhas do império e seus cínicos aliados, ao expressar críticas e autocríticas que fazem mais fortes e incomovíveis a moral e a força da Revolução Cubana, se somos consequentes com o que cada dia nos ensina um processo tão dialético e profundo nas condições concretas de Cuba.

Tão acostumado estava o império a impor sua vontade, que menosprezou a resistência de que é capaz um pequeno país latino-americano do Caribe, a 90 milhas de suas costas, no qual era proprietário de suas riquezas fundamentais, monopolizava o controle de suas relações comerciais e políticas, e impôs pela força uma base militar contra a decisão da nação, sob o manto dum acordo legal ao que deram também caráter constitucional. Menosprezaram o valor das ideias frente a seu imenso poder.

Raúl lhes recordou como as forças mercenárias foram derrotadas na Baía dos Porcos antes de se completar 72 horas do desembarque, aos olhos da frota naval ianque; a firmeza com que nosso povo se manteve incomovível na Crise dos Mísseis de 1962, ao não aceitar a inspeção de nosso território pelos Estados Unidos ― após a fórmula inconsulta do acordo entre a URSS e tal país que ignorava a soberania nacional ― apesar do incalculável número de armas nucleares que apontavam contra a ilha.

Também não faltou a referência às consequências da desintegração da URSS, que significou a queda de 35% de nosso PIB e 85% do comércio exterior de Cuba, ao qual se somou a intensificação do criminoso bloqueio comercial, econômico e financeiro a nossa Pátria.

Quase 20 anos decorreram depois daquele triste e funesto acontecimento e, contudo, Cuba continua em pé decidida a resistir. Por isso, adquire especial importância a necessidade de superar e vencer todo o que conspire contra o desenvolvimento de nossa economia. Raúl não deixou de recordar que hoje o sistema imperialista imposto ao planeta ameaça seriamente a sobrevivência da espécie humana.

Contamos atualmente com um povo que passou do analfabetismo a um dos mais altos níveis de educação do mundo, que é dono da mídia em massa, e pode ser capaz de criar a consciência necessária para superar dificuldades antigas e novas. Independentemente da necessidade de promover os conhecimentos, seria absurdo ignorar que, num mundo cada vez mais complexo e mudável, a necessidade de trabalhar e de criar os bens materiais que a sociedade necessita constitui o dever fundamental dum cidadão. A Revolução proclamou a universalização dos conhecimentos, ciente de que quanto mais conheça, mais útil será o ser humano em sua vida; mas nunca se deixou de exaltar o dever sagrado do trabalho que a sociedade requer. O trabalho físico é, pelo contrário, una necessidade da educação e da saúde humana, por isso, seguindo um princípio martiano, proclamou-se de muito cedo o conceito de estudo e trabalho. Nossa educação avançou consideravelmente quando se proclamou o dever de ser professores e dezenas de milhares de jovens optaram pelo ensino ― ou o que fosse mais necessário para a sociedade. O esquecimento de quaisquer destes princípios entraria em conflito com a construção do socialismo.

Igual que todos os povos do Terceiro Mundo, Cuba é vítima do roubo descarado de cérebros e força de trabalho jovem; não se pode cooperar jamais com esse saque de nossos recursos humanos.

A tarefa à qual cada pessoa consagre sua vida, não pode ser apenas fruto do desejo pessoal, mas também da educação. A qualificação é uma necessidade irrenunciável de qualquer sociedade humana.

Os dirigentes do Partido e do Estado deverão enfrentar problemas cada vez mais complexos. Dos responsáveis da educação se demandarão maiores conhecimentos que nunca da história e da economia, precisamente pela complexidade de seu trabalho. Basta ler as notícias que chegam todos os dias de todas as partes para compreender que a ignorância e a superficialidade são absolutamente incompatíveis com as responsabilidades políticas. Os reacionários, os mercenários, os que anelam consumismo e recusam o trabalho e o estudo, terão cada vez menos espaço na vida pública. Não faltarão jamais na sociedade humana os demagogos, os oportunistas, os que anelam soluções fáceis na procura de popularidade, mas os que traem a ética terão cada vez menos possibilidades de enganar. A luta nos ensinou o dano que podem causar o oportunismo e a traição.

A educação dos dirigentes será a tarefa mais importante que os partidos revolucionários deverão dominar. Não haverá jamais soluções fáceis, o rigor e a exigência terão que prevalecer. Cuidemo-nos especialmente também daqueles que junto à água suja vertem os princípios e os sonhos dos povos.

Há dias desejava falar do Congresso da Juventude, mas preferi esperar sua divulgação e não roubar espaço algum à imprensa.

Ontem, sete de abril, foi o aniversário de Vilma. Escutei com emoção, a través da televisão, sua própria voz acompanhada pelos finos acordes dum piano. Cada dia valoro mais seu trabalho e tudo o que fez pela Revolução e pela mulher cubana. As razões para lutar e para vencer multiplicam-se a cada dia.



Fidel Castro Ruz
8 de abril de 2010
15h40 •

quinta-feira, 15 de abril de 2010

CÂNTICO NEGRO

José Régio

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Cântico negro

José Régio


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio, pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.

LIIBERDADE, LIBERDADE...

Liberdade, Liberdade
Paulo Autran diz:

“Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a sua vida à humanidade e à paixão existentes nesses metros de tablado, esse é um homem de teatro. Nós achamos que é preciso cantar (no fundo, os acordes da Marcha da Quarta-feira de Cinzas). Por isso,

‘Operário do canto, me apresento
sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,
minha alma limpa, a face descoberta,
aberto o peito, e – expresso documento -
a palavra conforme o pensamento.
Fui chamado a cantar e para tanto
há um mar de som no búzio de meu canto.
Trabalho à noite e sem revezamentos.
Se há mais quem cante cantaremos juntos;
sem se tornar com isso menos pura,
a voz sobe uma oitava na mistura.
Não canto onde não seja a boca livre,
onde não haja ouvidos limpos e almas
afeitas a escutar sem preconceito.
Para enganar o tempo – ou distrair
criaturas já de si tão mal atentas,
não canto…
Canto apenas quando dança,
nos olhos dos que me ouvem, a esperança.”
Os versos são um excerto de Profissão do Poeta, poema de Geir Campos.

Acredito que se possa dizer da tarefa de educar o mesmo que é dito em Liberdade, Liberdade a respeito do ator e, no poema, do poeta. Até hoje, quando vou iniciar um curso, repito mentalmente as palavras: “Operário do canto…”. É, para mim, também sempre presente uma analogia entre a sala de aula e “os poucos metros de tablado” e as conseqüências similares de uma vida dedicada, com paixão, a esses particulares espaços de ação.

A cena final de Liberdade, Liberdade também é marcante. Dela, fiz uma adaptação para fins didáticos. Uso essa adaptação como uma cerimônia de conclusão de curso. Ela está reproduzida a seguir.

Começo dizendo:

“A última palavra é a palavra do poeta; a última palavra é a que fica.
A última palavra de Hamlet:
O resto é silêncio.
A última palavra de Júlio César:
Até tu, Brutus?
A última palavra de Jesus Cristo:
Meu pai, meu pai, por que me abandonaste?
A última palavra de Goethe:
Mais luz!
A última palavra de Booth, assassino de Lincoln:
Inútil, inútil…
E a última palavra de Prometeu:
Resisto!”
A última palavra de Y (nome de um participante).
O participante diz sua última palavra.
A última palavra de X (nome de outro participante). A cena anterior se repete, com X dizendo sua última palavra.
A última palavra de N (nome do último participante). A cena se repete.
Por fim, digo a minha última palavra e encerro o curso.
Até a última palavra de Prometeu, o texto é de Liberdade Liberdade.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

ROSA DE HIROSHIMA

A rosa de Hiroxima


Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Vinícius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do meu amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

Funeral de um Lavrador
Chico BuarqueComposição: Chico Buarque de Hollanda / João Cabral de Mello Neto
Esta cova em que estás com palmos medidaÉ a conta menor que tiraste em vidaÉ a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho nem largo nem fundoÉ a parte que te cabe deste latifúndioÉ a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medidaÉ a terra que querias ver divididaÉ a terra que querias ver dividida
É uma cova grande pra teu pouco defuntoMas estarás mais ancho que estavas no mundoestarás mais ancho que estavas no mundo
É uma cova grande pra teu defunto parcoPorém mais que no mundo te sentirás largoPorém mais que no mundo te sentirás largo
É uma cova grande pra tua carne poucaMas a terra dada, não se abre a bocaÉ a conta menor que tiraste em vidaÉ a parte que te cabe deste latifúndioÉ a terra que querias ver divididaEstarás mais ancho que estavas no mundoMas a terra dada, não se abre a boca.

Vida e Morte Severina

Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
— O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar alguns roçado da cinza. Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra.

Oração de São Francisco de Assis


ORAÇÃO DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS


Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor, Onde houver ofensa , que eu leve o perdão, Onde houver discórdia, que eu leve a união, Onde houver dúvida, que eu leve a fé, Onde houver erro, que eu leve a verdade, Onde houver desespero, que eu leve a esperança, Onde houver tristeza, que eu leve a alegria, Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu procure maisconsolar que ser consolado; compreender que ser compreendido, amar, que ser amado. Pois é dando que se recebeé perdoando que se é perdoado e é morrendo que se nasce para a vida eterna...







INSTRUTORES DO MUNDO

terça-feira, 13 de abril de 2010

UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO (UNAERP)
TEORIA DO ESTADO I - PROF. ANTONIO CALIXTO


DO ESTADO - Sociedade e Estado: Conceito de Sociedade. Relação entre Sociedade e Estado. Conceitos de Estado: (a) prisma filosófico, (b) prisma sociológico e (c) prisma jurídico. Introdução aos Elementos Constitutivos do Estado.

1 - Conceito de Sociedade - Por quê um termo abstrato e impreciso?
· Para Talcott Persons, seria "todo o complexo de relações do homem com seus semelhantes".
· Para Toennies, sob uma ótica mecanicista, seria "um grupo derivado de um acordo de vontades, de membros que buscam, mediante o vínculo associativo, um interesse comum, impossível de obter-se pelos esforços isolados dos indivíduos".
· Para Giorgio Del Vecchio, sob uma ótica organicista, seria "o conjunto de relações mediante as quais vários indivíduos vivem e atuam solidariamente em ordem a formar uma entidade nova e superior".

2 - As Teorias Organicistas e Mecanicistas da Sociedade
· Na concepção Aristotélica, o homem seria um "ser social", ou como diria Hugo Grotius, possuiria um "appetitus societatis". Por quê? Esta é uma posição organicista?
· Definição de organicismo para Del Vecchio: "reunião de várias partes, que preenchem funções distintas e que, por sua ação combinada, concorrem para manter a vida do todo".
· Organicismo: Supremacia da Sociedade sobre o Indivíduo. Mecanicismo: relativa autonomia do indivíduo dentro do "todo" formado.
· Podemos fazer analogias entre autoritarismo e liberalismo versus organicismo e mecanicismo?

3- Sociedade, Comunidade e Associação Política
· Para Toennies, Sociedade supõe a ação conjunta e racional dos indivíduos no seio da ordem jurídica e econômica, aonde, a despeito de todos os laços, os indivíduos permanecem separados. Comunidade implicaria na existência de formas de vida e organização social, onde impere essencialmente uma solidariedade feita de vínculos psíquicos.
· Sociedade: vontade arbitrária, organização, governo pela razão, simbolismo formal e ordenador.
· Comunidade: vontade essencial, substancial e orgânica; solidariedade mecânica; governo pela vida e instintos; sentido de organismo.
· Conceituação de Weber: ‘agir em comunidade’ significa todas as vezes que a ação humana se refere de maneira subjetivamente provida de sentido ao comportamento de outros homens. Já ‘agir em sociedade’ um agir em comunidade na medida em que: 1) se orienta, de maneira significativa, por expectativas que são alimentadas com base em regulamentações; 2) na medida em que tal regulamentação foi feita de modo puramente racional com relação a fins, tendo em mente o agir esperado dos associados como conseqüência e 3) quando a orientação provida de sentido se faz, subjetivamente, de maneira racional com relação a fins"
· Para ocorrer uma associação política, na perspectiva weberiana, são necessárias: (1) uma delimitação territorial; (2) a existência, neste território, de um quadro gerencial e executor exclusivo, excludente e inconteste; e (3) a execução, por este quadro gerencial, da administração, da lei e da violência necessárias para manter a ordem estatuída e sua preservação como tal, enquanto integridade do território e jurisdição sobre ele.

4 - Sociedade e Estado
· Tema livre para debate em sala, com conceituação individual e coletiva.
· Para o anarquismo, a sociedade é a expressão da liberdade difusa e o Estado é a opressão organizada.
· Para o marxismo, o estado é produto da sociedade, instrumento das contradições sociais e dos antagonismo de classes. O Estado estaria dentro da Sociedade e não fora.
· Para Bobbio, a sociedade é o conjunto de relações humanas intersubjetivas, anteriores, exteriores e contrárias ao estado ou sujeitas a este.

5 - Conceito de Estado
· Acepção Filosófica: valor social mais alto, uma realidade de idéia moral, manifestação visível da divindade para Hegel, conciliando (síntese) a contradição entre Família (tese) e Sociedade (antítese), dentro de uma visão dialética.
· Acepção Jurídica: para Kant, seria a reunião de um agrupamento de homens vivendo sob leis do Direito. Para Del Vecchio, seria o sujeito da ordem jurídica na qual se realiza a comunidade de vida de um povo ou a expressão potestativa da sociedade.
· Acepção Sociológica: para Oppenheimer, seria a instituição social, que um grupo vitorioso impôs a um grupo vencido, com o único fim de organizar o domínio do primeiro sobre o segundo e resguardar-se contra rebeliões intestinas e agressões estrangeiras. Para Jhering, o Estado seria a organização social do poder de coerção. Ou a sociedade como titular de um poder coercitivo regulado e disciplinado, representando o Direito a disciplina da coerção. Segundo Marx, é o poder organizado de uma classe para opressão de outra.
· Estado para Weber: entendido como uma associação política institucionalizada e especializada de dominação. Para Max Weber, o Estado é aquela comunidade humana que no interior de um determinado território - o conceito de ‘território’ é essencial à definição - reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima. Porque é específico da atualidade que às demais associações ou pessoas individuais somente se concede o direito da coação física na medida em que o Estado o permite. Considera-se este, pois, como fonte única do ‘direito’ de coação” (Max Weber, in Sociologia do Estado). Sociologicamente, o Estado moderno só pode definir-se em última instância a partir de um meio específico que, do mesmo modo que a toda associação política, lhe é próprio, a saber: o da coação física. ‘Todo Estado se baseia na força’, disse um dia Trotsky em Brest-Litowsk

6 - Elementos Constitutivos do Estado
· Ordem formal: poder político da sociedade.
· Ordem material: elemento humano (povo, população, nação e território)
· A cidadania pode ser considerada como elemento do Estado?

Os elementos do Estado serão minuciosamente estudados na próxima aula.

7 - Frases para Reflexão
· “coexistem, em todos os sistemas sociais, sistemas de interesses que tratam de orientar e delimitar a ação do Estado, e uma autonomia mais ou menos significativa do Estado que trata de influenciar a vida da sociedade civil” (Schwartzman).
· "Por Estado deve-se entender um instituto político, de atividade contínua, quando e na medida em que seu quadro administrativo mantenha, com êxito, a pretensão ao monopólio legítimo da coação física, para a manutenção da ordem vigente". Assim, "diz-se que uma ação é politicamente orientada, quando e na medida em que tende a influir na direção de uma associação política, particularmente na apropriação ou expropriação, na nova distribuição ou atribuição dos poderes governamentais" (Weber)

8 - O Papel do Estado

Cada Estado particular é visto, na aurora da civilização contemporânea, como uma associação política particular em concorrência com as demais pela aquisição e acumulação do capital - este por sua vez não fixado a residência alguma - que lhe possibilitaria as condições materiais necessárias à aquisição do poder. Foi, pois, “da coalizão necessária do Estado nacional com o capital surgiu a classe burguesa nacional, a burguesia no sentido moderno do vocábulo”[1]

Os pilares do Estado Social de Direito datam do período entre os anos vinte e trinta, caracterizados por uma turbulência totalitária da Europa, quando há uma avalanche de transformações com o deslocamento da primazia do setor primário de produção, ou seja, a agricultura para o setor industriário; da família patriarcal, tradicional e eminentemente conservadora para a família nuclear, onde impera o individualismo e a escassez de padrões previamente estabelecidos, etc.

Consequentemente, tais fenômenos iriam repercutir não só a nível econômico e social, mas também a nível individual, ocasionando uma série de desequilíbrios ao homem. Sabe-se que nos períodos concernentes à Renascença, ao Iluminismo e Romantismo, o homem vivia um estado letárgico, quando acreditava-se em uma possibilidade de uma melhoria objetiva, na verdade, tratava-se de uma utopia da certeza de um mundo melhor.

Porém, neste período de transformações a que nos referimos, quando vigora a crise da Democracia e a impopularidade do Estado de Direito, cuja característica precípua era ser um estado estático, com normas obsoletas, não adequadas às transformações econômicas e sociais, o homem percebe a dura realidade em que vive e a necessidade de uma urgente adequação deste Estado de Direito às novas transformações, ou seja das normas às cada vez mais latentes, alterações econômicas e necessidades sociais. Não há que se falar em renúncia do Estado de Direito, sendo indiscutível o valor do mesmo, urge dar-lhe um conteúdo econômico e social, realizando dentro de seus quadros, uma nova ordem de trabalho e de distribuição de bens.

Institucionalizou-se a idéia de Estado Social na Constituição da República Federal da Alemanha de 1949 como resposta e proposta histórica ao processo de desenvolvimento tecnológico (período pós guerra) que poderia ser estendido a todos os componentes do país.

Genericamente, o Estado Social significa a adaptação do Estado tradicional (Liberal Burguês) às condições econômicas e sociais da civilização industrial e pós industrial, período este caracterizado pelas grandes possibilidades técnicas, econômicas e sociais, mas também pelos seus novos e complexos problemas.

Em termos econômicos, a partir de 1936 Keynes promove a conexão entre Estado e sociedade civil: o Estado não adquire a propriedade dos meios de produção, porém toma para si a tarefa de orientar e controlar o sistema econômico sendo que tal política deixa clara a preocupação de se racionalizar os impactos de uma modificação contínua dos meios de produção e dos critérios de redistribuição de rendas. Ressalte-se o grande passo em se tratando da relação Estado X Economia; na era Fisiocrata a economia deveria ser analisada como a terra, tudo nascia, crescia e se produzia por si só, o Estado não interferia em absolutamente nada, no Estado Contemporâneo, a economia deve ser direcionada, enfim conduzida pelo Estado visando o bem estar social.

Tal tentativa de adaptação do Estado de Direito às constantes transformações decorrentes das novas condições sociais da civilização industrial e pós industrial visa também a sobrevivência do Estado nos tempos modernos. Sabe-se que o Estado está submetido a constantes pressões, a crises políticas permanentes, gerando crises sociais gigantescas, sendo que a história nos mostra que tais situações geralmente foram abafadas mediante a imposição de formas estatais totalitárias acarretando a supressão da liberdade, a violência constante, o império do terror, a política externa agressiva.

Desta forma, se o Estado como instituição desejasse subsistir-se deveria primeiramente empenhar-se em controlar de modo permanente, os aspectos econômicos, sociais e culturais da sociedade. Em relação ao Estado Democrático de Direito, a sobrevivência do mesmo depende, além das adequações acima citadas, do acréscimo aos seus objetivos, da regulamentação permanente do sistema social, ou seja, da constante adaptação das normas às mudanças sociais visando a primazia do coletivo (promoção pelo estado do bem estar social).

Estado e sociedade podem ser entendidos como dois sistemas fortemente inter-relacionados entre si através de relações complexas, fazendo parte de um macro-sistema que embora não limite a respectiva autonomia, os submete a fins específicos, sendo que ambos operam para a coexistência pacífica e sobrevivência de ambas as instituições.

Os valores intrínsecos do Estado Liberal Democrático como a liberdade, a propriedade individual, as garantias jurídicas e a igualdade formal ou potencial são submetidos ao patrimônio coletivo*.

Ricardo Campa, in O Estado Contemporâneo, unidade IV: Relação Estado/Sociedade. A crise atual do Estado. A justiça comutativa é substituída pela justiça distributiva, o Estado legislador é substituído pelo Estado gestor, o Estado estático contrapõe-se o Estado das prestações sociais.

A nível social há uma transferência do espaço vital dominado, ou seja, aquele em que o indivíduo pode controlar, exercer o seu domínio, onde predomina o individualismo para o espaço vital efetivo, que é aquele em que o indivíduo utiliza, mas não exerce o seu domínio, onde predomina o coletivo. Há então, uma gradual transferência do espaço vital dominado (podemos visualizá-lo como sendo a residência do indivíduo) para o espaço vital coletivo (representado pelos serviços públicos). Sabe-se que causa primária de instabilidade social é a limitação da possibilidade do homem de exercer a sua necessidade de dominar o seu território.

Importante ressaltar um traço distintivo do Estado Contemporâneo: a empresarialidade. No estado contemporâneo, o estado participa com um capital privado em empresas mistas e promove a estatização das empresas. É também característica precípua do estado contemporâneo a primazia da função social da propriedade. A propriedade perde gradualmente o seu significado de direito adquirido e passa a se destinar ao bem estar social. A propriedade do bem é limitada pela função social do mesmo. O direito de proprietário é limitado pela função social da propriedade. Verificar novamente a presença no estado contemporâneo da primazia do coletivo sobre o individual. Os direitos individuais são limitados em prol da sociedade.

O estado contemporâneo tem função eminentemente social, é o Estado das Prestações. O estado tem como função precípua zelar pelo bem estar social, para tanto destina parte do produto nacional bruto para tal. Na função social do estado, inclui-se também a prestação de serviços que o cidadão como indivíduo pode não considerar como sendo prioritários, como a defesa nacional, porém, ao zelar pelo bem estar social, cabe ao estado zelar pela segurança nacional do território.

Acredita-se que tal função social do estado contemporâneo contribui para a redistribuição de renda decorrente da implantação e o funcionamento de serviços públicos mediante organizações complexas que confiam a eficiência de tais serviços à responsabilidade coletiva, visando a confiança no bem público, na propriedade de todos e de ninguém.

O direito social decorrente da adaptação do Estado Democrático de Direito em um Estado Social implica a limitação jurídica de determinados direitos individuais. O Estado Social desencadeia um processo de integração de vários grupos nacionais.

- TEXTO PARA ANÁLISE E REFLEXÃO

MARX E O ESTADO
André Guimarães Augusto - Prof º do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense
Doutorando do Instituto de Economia – UFRJ

O objetivo dessa comunicação é expor a visão marxiana (ou marxista) acerca da natureza do Estado capitalista e de suas transformações. Como é sabido, não há uma obra específica de Marx que se atenha a esse tema. As análises marxianas sobre o Estado estão dispersas em diversos textos ao longo de toda sua obra.

A tese que procuraremos defender é de que nas polêmicas dos anos iniciais o Estado já é apreendido por Marx como um resultado da luta de classes, ainda que essa visão apareça de uma forma mais explícita e elaborada somente nos textos finais desse período. Nos textos seguintes sobre a conjuntura política, aparece de forma mais concreta a determinação do Estado pela luta de classes, o Estado como produto e condição da luta de classes.

Uma primeira série de observações sobre o tema do Estado se encontra nos textos iniciais de Marx, abrangendo um período que vai da "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel" em 1842 até o "Manifesto Comunista" de 1848, passando pela "Questão Judaica" e pela "Ideologia Alemã". O caráter destes textos é essencialmente polêmico, dirigido contra a filosofia de Hegel e seus herdeiros. De início Marx refuta a suposta identidade entre Estado e sociedade civil contida na filosofia hegeliana, procurando assinalar a oposição entre a esfera política e a vida civil no mundo moderno. Na "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel" Marx observa que a oposição entre Estado e Sociedade Civil pressupõe a propriedade privada. O significado e a raiz dessa oposição devem ser buscados na relação entre Estado e propriedade privada.

As relações entre o Estado moderno e a propriedade privada serão desenvolvidas por Marx nas obras posteriores. Em "A Questão Judaica", Marx observa que a o processo

de emancipação política torna o Estado moderno uma comunidade política constituída por cidadãos iguais. A emancipação política porém coincide com a emancipação da propriedade privada. Marx aponta o caráter apenas formal da determinação do Estado como comunidade política, constituindo a propriedade privada universal seu conteúdo. A finalidade do Estado é garantir o interesse comum, mas este é concebido como o conjunto dos interesses dos indivíduos proprietários. Assim, o Estado é caracterizado por Marx nessa obra como "comunidade ilusória".

A partir de "A Ideologia Alemã" a concepção marxiana do Estado parece já estar desenvolvida em seus contornos essenciais. Um resumo dessa concepção, nesse ponto da obra de Marx, nos revela o Estado como uma das formas em que se desenvolve a contradição entre propriedade e trabalho e portanto, uma das formas em que se desenvolve a luta de classes. Se por um lado o Estado exerce funções sociais gerais, se aparece como representante do interesse comum, por outro, só se apresenta assim na medida em que faz valer os interesses comuns de uma classe. O Estado se constitui como uma dupla determinação: exerce funções sociais gerais - resultante da divisão do trabalho - mas as exerce sob uma forma despótica, autoritária, sob a forma do domínio de uma classe sobre outra; em resumo sob a forma de Estado.

O vínculo do Estado com as classes sociais reconhecido nos primeiros trabalhos, é retomado e desenvolvido sob um novo angulo na série de trabalhos seguintes em que Marx analisa a situação da conjuntura política na França ("A guerra civil na França", "O dezoito de Brumário de Luís Bonaparte") e na Alemanha ("A Burguesia e a Contra-Revolução", série de artigos publicada na Nova Gazeta Renana ). Nesses trabalhos o Estado é captado de um ponto de vista dinâmico, em suas transformações, contradições, articulações com outras esferas sociais e diferenças concretas.

É preciso lembrara que Marx destaca, especialmente na análise do caso francês, o papel das frações de classe e da composição do bloco do poder na determinação das ações e da forma do Estado. Além disso, recoloca-se a contradição entre forma e conteúdo do Estado. As diferentes formas de governo são apreendidas como diferentes formas em que se desenvolve a luta de classes; se todo Estado moderno tem como conteúdo a dominação burguesa sua forma não está totalmente pré-determinada.

Segundo a tese que defendemos, essas obras revelam que Marx compreendia o desenvolvimento do Estado e suas mudanças como sendo referenciados às transformações sociais. Tal concepção, pode ser apresentada resumidamente da seguinte forma: em cada período a luta de classes entre capital e trabalho se dá sob uma base herdada do período anterior, o que inclui a forma do Estado; a luta de classes irá atuar sobre essa herança, acentuando algumas características, enfraquecendo ou eliminando outras, enfrentando maior ou menor resistência do organismo estatal. O Estado na sua forma determinada em um dado momento é apreendido por Marx como produto das lutas anteriores, e nesse sentido é uma condição da luta de classes; mas essa se caracteriza pela própria mudança de suas condições. Desta forma, o Estado também é objeto das lutas atuais, sendo modificado por elas.

A interpretação defendida nesse trabalho acerca da concepção marxiana do Estado enfrenta uma série de polêmicas. Primeiramente indicamos uma continuidade na obra de Marx, entre as obras iniciais e as posteriores que vai contra a leitura althusseriana de uma ruptura entre o "jovem Marx" filósofo e um "Marx maduro", autor de uma "ciência da história".

Em segundo lugar, a interpretação acerca da natureza de classe do Estado tem sido objeto de intensa polêmica entre os marxistas. Segundo a interpretação denominada de instrumentalista o Estado seria um "comitê para gerir negócios da burguesia", estando sob seu controle direto (Milliband). Já a versão estruturalista aponta os constrangimentos estruturais à ação do Estado como determinante de sua natureza de classe; segundo essa versão o Estado não é um simples instrumento nas mãos da burguesia, mas goza de autonomia relativa (Poulantzas). Uma terceira interpretação – que se identifica com a leitura dos textos de Marx defendida nesse trabalho - apreende o Estado como uma das formas da luta de classes na sociedade capitalista (Holloway).




UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO (UNAERP)
TEORIA DO ESTADO I - PROF. ANTONIO CALIXTO
1ª semestre 2004

DO ESTADO - Sociedade e Estado: Conceito de Sociedade. Relação entre Sociedade e Estado. Conceitos de Estado: (a) prisma filosófico, (b) prisma sociológico e (c) prisma jurídico. Introdução aos Elementos Constitutivos do Estado.

1 - Conceito de Sociedade - Por quê um termo abstrato e impreciso?
· Para Talcott Persons, seria "todo o complexo de relações do homem com seus semelhantes".
· Para Toennies, sob uma ótica mecanicista, seria "um grupo derivado de um acordo de vontades, de membros que buscam, mediante o vínculo associativo, um interesse comum, impossível de obter-se pelos esforços isolados dos indivíduos".
· Para Giorgio Del Vecchio, sob uma ótica organicista, seria "o conjunto de relações mediante as quais vários indivíduos vivem e atuam solidariamente em ordem a formar uma entidade nova e superior".

2 - As Teorias Organicistas e Mecanicistas da Sociedade
· Na concepção Aristotélica, o homem seria um "ser social", ou como diria Hugo Grotius, possuiria um "appetitus societatis". Por quê? Esta é uma posição organicista?
· Definição de organicismo para Del Vecchio: "reunião de várias partes, que preenchem funções distintas e que, por sua ação combinada, concorrem para manter a vida do todo".
· Organicismo: Supremacia da Sociedade sobre o Indivíduo. Mecanicismo: relativa autonomia do indivíduo dentro do "todo" formado.
· Podemos fazer analogias entre autoritarismo e liberalismo versus organicismo e mecanicismo?

3- Sociedade, Comunidade e Associação Política
· Para Toennies, Sociedade supõe a ação conjunta e racional dos indivíduos no seio da ordem jurídica e econômica, aonde, a despeito de todos os laços, os indivíduos permanecem separados. Comunidade implicaria na existência de formas de vida e organização social, onde impere essencialmente uma solidariedade feita de vínculos psíquicos.
· Sociedade: vontade arbitrária, organização, governo pela razão, simbolismo formal e ordenador.
· Comunidade: vontade essencial, substancial e orgânica; solidariedade mecânica; governo pela vida e instintos; sentido de organismo.
· Conceituação de Weber: ‘agir em comunidade’ significa todas as vezes que a ação humana se refere de maneira subjetivamente provida de sentido ao comportamento de outros homens. Já ‘agir em sociedade’ um agir em comunidade na medida em que: 1) se orienta, de maneira significativa, por expectativas que são alimentadas com base em regulamentações; 2) na medida em que tal regulamentação foi feita de modo puramente racional com relação a fins, tendo em mente o agir esperado dos associados como conseqüência e 3) quando a orientação provida de sentido se faz, subjetivamente, de maneira racional com relação a fins"
· Para ocorrer uma associação política, na perspectiva weberiana, são necessárias: (1) uma delimitação territorial; (2) a existência, neste território, de um quadro gerencial e executor exclusivo, excludente e inconteste; e (3) a execução, por este quadro gerencial, da administração, da lei e da violência necessárias para manter a ordem estatuída e sua preservação como tal, enquanto integridade do território e jurisdição sobre ele.

4 - Sociedade e Estado
· Tema livre para debate em sala, com conceituação individual e coletiva.
· Para o anarquismo, a sociedade é a expressão da liberdade difusa e o Estado é a opressão organizada.
· Para o marxismo, o estado é produto da sociedade, instrumento das contradições sociais e dos antagonismo de classes. O Estado estaria dentro da Sociedade e não fora.
· Para Bobbio, a sociedade é o conjunto de relações humanas intersubjetivas, anteriores, exteriores e contrárias ao estado ou sujeitas a este.

5 - Conceito de Estado
· Acepção Filosófica: valor social mais alto, uma realidade de idéia moral, manifestação visível da divindade para Hegel, conciliando (síntese) a contradição entre Família (tese) e Sociedade (antítese), dentro de uma visão dialética.
· Acepção Jurídica: para Kant, seria a reunião de um agrupamento de homens vivendo sob leis do Direito. Para Del Vecchio, seria o sujeito da ordem jurídica na qual se realiza a comunidade de vida de um povo ou a expressão potestativa da sociedade.
· Acepção Sociológica: para Oppenheimer, seria a instituição social, que um grupo vitorioso impôs a um grupo vencido, com o único fim de organizar o domínio do primeiro sobre o segundo e resguardar-se contra rebeliões intestinas e agressões estrangeiras. Para Jhering, o Estado seria a organização social do poder de coerção. Ou a sociedade como titular de um poder coercitivo regulado e disciplinado, representando o Direito a disciplina da coerção. Segundo Marx, é o poder organizado de uma classe para opressão de outra.
· Estado para Weber: entendido como uma associação política institucionalizada e especializada de dominação. Para Max Weber, o Estado é aquela comunidade humana que no interior de um determinado território - o conceito de ‘território’ é essencial à definição - reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima. Porque é específico da atualidade que às demais associações ou pessoas individuais somente se concede o direito da coação física na medida em que o Estado o permite. Considera-se este, pois, como fonte única do ‘direito’ de coação” (Max Weber, in Sociologia do Estado). Sociologicamente, o Estado moderno só pode definir-se em última instância a partir de um meio específico que, do mesmo modo que a toda associação política, lhe é próprio, a saber: o da coação física. ‘Todo Estado se baseia na força’, disse um dia Trotsky em Brest-Litowsk

6 - Elementos Constitutivos do Estado
· Ordem formal: poder político da sociedade.
· Ordem material: elemento humano (povo, população, nação e território)
· A cidadania pode ser considerada como elemento do Estado?

Os elementos do Estado serão minuciosamente estudados na próxima aula.

7 - Frases para Reflexão
· “coexistem, em todos os sistemas sociais, sistemas de interesses que tratam de orientar e delimitar a ação do Estado, e uma autonomia mais ou menos significativa do Estado que trata de influenciar a vida da sociedade civil” (Schwartzman).
· "Por Estado deve-se entender um instituto político, de atividade contínua, quando e na medida em que seu quadro administrativo mantenha, com êxito, a pretensão ao monopólio legítimo da coação física, para a manutenção da ordem vigente". Assim, "diz-se que uma ação é politicamente orientada, quando e na medida em que tende a influir na direção de uma associação política, particularmente na apropriação ou expropriação, na nova distribuição ou atribuição dos poderes governamentais" (Weber)

8 - O Papel do Estado

Cada Estado particular é visto, na aurora da civilização contemporânea, como uma associação política particular em concorrência com as demais pela aquisição e acumulação do capital - este por sua vez não fixado a residência alguma - que lhe possibilitaria as condições materiais necessárias à aquisição do poder. Foi, pois, “da coalizão necessária do Estado nacional com o capital surgiu a classe burguesa nacional, a burguesia no sentido moderno do vocábulo”[2]

Os pilares do Estado Social de Direito datam do período entre os anos vinte e trinta, caracterizados por uma turbulência totalitária da Europa, quando há uma avalanche de transformações com o deslocamento da primazia do setor primário de produção, ou seja, a agricultura para o setor industriário; da família patriarcal, tradicional e eminentemente conservadora para a família nuclear, onde impera o individualismo e a escassez de padrões previamente estabelecidos, etc.

Consequentemente, tais fenômenos iriam repercutir não só a nível econômico e social, mas também a nível individual, ocasionando uma série de desequilíbrios ao homem. Sabe-se que nos períodos concernentes à Renascença, ao Iluminismo e Romantismo, o homem vivia um estado letárgico, quando acreditava-se em uma possibilidade de uma melhoria objetiva, na verdade, tratava-se de uma utopia da certeza de um mundo melhor.

Porém, neste período de transformações a que nos referimos, quando vigora a crise da Democracia e a impopularidade do Estado de Direito, cuja característica precípua era ser um estado estático, com normas obsoletas, não adequadas às transformações econômicas e sociais, o homem percebe a dura realidade em que vive e a necessidade de uma urgente adequação deste Estado de Direito às novas transformações, ou seja das normas às cada vez mais latentes, alterações econômicas e necessidades sociais. Não há que se falar em renúncia do Estado de Direito, sendo indiscutível o valor do mesmo, urge dar-lhe um conteúdo econômico e social, realizando dentro de seus quadros, uma nova ordem de trabalho e de distribuição de bens.

Institucionalizou-se a idéia de Estado Social na Constituição da República Federal da Alemanha de 1949 como resposta e proposta histórica ao processo de desenvolvimento tecnológico (período pós guerra) que poderia ser estendido a todos os componentes do país.

Genericamente, o Estado Social significa a adaptação do Estado tradicional (Liberal Burguês) às condições econômicas e sociais da civilização industrial e pós industrial, período este caracterizado pelas grandes possibilidades técnicas, econômicas e sociais, mas também pelos seus novos e complexos problemas.

Em termos econômicos, a partir de 1936 Keynes promove a conexão entre Estado e sociedade civil: o Estado não adquire a propriedade dos meios de produção, porém toma para si a tarefa de orientar e controlar o sistema econômico sendo que tal política deixa clara a preocupação de se racionalizar os impactos de uma modificação contínua dos meios de produção e dos critérios de redistribuição de rendas. Ressalte-se o grande passo em se tratando da relação Estado X Economia; na era Fisiocrata a economia deveria ser analisada como a terra, tudo nascia, crescia e se produzia por si só, o Estado não interferia em absolutamente nada, no Estado Contemporâneo, a economia deve ser direcionada, enfim conduzida pelo Estado visando o bem estar social.

Tal tentativa de adaptação do Estado de Direito às constantes transformações decorrentes das novas condições sociais da civilização industrial e pós industrial visa também a sobrevivência do Estado nos tempos modernos. Sabe-se que o Estado está submetido a constantes pressões, a crises políticas permanentes, gerando crises sociais gigantescas, sendo que a história nos mostra que tais situações geralmente foram abafadas mediante a imposição de formas estatais totalitárias acarretando a supressão da liberdade, a violência constante, o império do terror, a política externa agressiva.


PROMOTOR E O MOTOQUEIRO

Resenha Eletrônica

Painel do Leitor
Folha de S. Paulo - 12/01/2008 -->-->
Promotor e motoqueiro"Não posso deixar de manifestar minha indignação com a carta do leitor Eugênio de Barros ("Painel do Leitor", 9/1), um tratado de ignorância jurídica e total inadequação com os direitos da pessoa humana. Defende ele a brutalidade cometida pelo promotor de Justiça Pedro Barcarat Pereira, que, com uma arma de uso proibido, matou com 11 tiros um motoqueiro. Coisa corriqueira no Brasil e que parece ser o sentimento médio da população, envenenada por esse tipo de pensamento totalitário. Entende-se por legítima defesa, no Código Penal, aquele que, usando "moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão". Ainda que o promotor agisse em legítima defesa, agiu abusivamente e com excesso, o que é punível pela lei penal. Aguarda-se uma justiça que não chegará nunca." ANTONIO CALIXTO (Ribeirão Preto, SP

segunda-feira, 12 de abril de 2010

FICHAS SUJAS



Pessoas bem intencionadas e entidades, com intuito de marcar presença, como Associação Brasileira de Magistrados, resolvem encabeçar um movimento contra os chamados “fichas sujas”. O que é “ficha suja” na ótica enfocada? Àquelas pessoas que tenham sido denunciadas e condenadas em primeira instância. Basta uma sentença para que o cidadão se torne inelegível. Embora “politicamente correta” esta tese contraria um dos princípios constitucionais mais sagrados da Constituição do Brasil, o “princípio da presunção de inocência”. O entendimento obtuso e encampado por cidadãos de bem , se prevalecesse, geraria uma imensidão de denúncias e representações, nas pequenas e médias cidades, com o fito exclusivo de tornar cidadãos, com maiores chances eleitorais, em inelegíveis. Nas pequenas comunas, impera a política do coronelismo, da cumplicidade de poderes e não raro a parcialidade do próprio Ministério Público, quando não do próprio Judiciário, sempre próximos do Poder Executivo, que sempre detém a verba e o poder de proporcionar aos representantes da Justiça melhores condições de trabalho, já que o orçamento do Judiciário é sempre insuficiente. Sem contar o estrelismo de alguns integrantes do Ministério Público e a inexperiência dos juízes de primeira instância, aprovados em concurso, porém sem a experiência que a vida exige. Não é regra, claro. Para eliminar o “ficha suja” é necessário um judiciário ágil, eficiente, célere e que as ações sejam julgadas rapidamente. Exige-se, com razão, o trânsito em julgado, para que se confirme qualquer condenação. Que o Judiciário julgue com celeridade as ações, e por fim que se faça uma reforma eleitoral verdadeira, onde os próprios Partidos Políticos autênticos, que deverão melhor selecionar os seus quadros e principalmente os seus candidatos, eliminado não só os fichas sujas, mas nomes populares despolitizados que servem apenas para captar votos de legenda e eleger pessoas desconhecidas. Esperem para ver. Teremos, além dos “fichas sujas ”, nomes sem compromisso com o povo, mas que pela popularidade fortalecerão suas legendas. Remendos e casuísmos não resolvem. Impõe-se uma reforma política que torne os Partidos autênticos e programáticos, abolindo o poder econômico, o fisiologismo, o clientelismo, tornando as eleições limpas e transparentes, a partir das próprias convenções partidárias, o que não ocorre nos dias de hoje.

ANTONIO CALIXTO – Vereador, Vice-Prefeito de Ribeirão e Deputado Estadual. É advogado e Professor Universitário (antoniocalixto@aasp.org.br)
(Publicado no jornal semanário “Enfim”-Rib. Preto –dezembro 2.009

O LIVRO PONTO

O LIVRO PONTO


Existe. A mulher do Ponto. A suas formas estão atenuadas. Está elegante e veste jeans. Seus passos nos corredores já não assustam tanto. Às vezes, dependendo do dia e do humor continua assustando. Quando olha de soslaio todos tremem. É católica fervorosa, religiosa, presente em todos os eventos da Igreja. Às 16.30 o maridão estaciona seu possante diante do local de efervescência. Como fiscalizar depois do horário. Faz isto sem dificuldades por outros olhos atentos e dispostos a controlar os rebeldes. O que importa é a missão cumprida. Um dia vai haver reconhecimento. O importante é a regra, o regulamento, o horário. A repartição é sua vida. Passa pelos corredores imprimindo a sua autoridade. Olha de soslaio, como se não tivesse vendo os trabalhadores sob sua batuta. Responsabilidade, eficiência, dever cumprido, profissionalismo pouco valem diante do olhar impassível daquela mulher, que encara o seu ofício mais que um dever, uma missão. Corre de ponta a ponta os corredores da repartição. Ela tem alguns alvos de busca favoritos. Rebeldes que não se amoldam ao esquema rígido, mas não escapam ao seu controle. Esse negócio de empresa moderna é coisa de neoliberais. Responsabilidade, eficiência, competência, produção são palavras abolidas e que não integram o dia a dia da Repartição. Aqui é à maneira antiga, como ocorreu no século XX e funcionou bem. O que vale é a presença física e o Ponto. O livrão azul desperta um temor quase sagrado. Mas ninguém tem culpa. Isso ocorre há anos. É preciso dar serviço para todos. É preciso fiscalizar, olhar, verificar, constatar, informar. Também a repartição está submetida à Unidade maior, que se preocupa em arrumar um lugar para todos. No tempo do liberalismo, da informática e da globalização é preciso continuar carimbando ou as funções acabam. É preciso preencher papeletas. É preciso interpretar as resoluções e manifestações da tecnocracia superior. Cursos de aperfeiçoamento, trabalho em grupo ou de equipe, bom atendimento ao público isso é miragem que não chegou ao serviço público do Brasil. Bobagem. Funciona assim antes do Adhemar de Barros e vai continuar funcionando depois do Serra. É cada um para si e Deus para todos, como se dizia antigamente. Uma das funções mais importante, é de fiscal do Livro-Ponto, algo antigo, mas eficiente,que além de controle serve como instrumento de poder e repressão. O livrão azul é temido e respeitado por todos.. Para que o controle seja mais eficiente sobre a população que circula desvairadamente pelo próprio público, criou-se a figura da “folha-ponto”. É uma forma de controlar melhor o alto escalão. A folha ponto é filha preferencial do livrão e também é muito respeitada. Todos os dias é lida, checada e revista. É assim que funciona. Sem mudança. É a rotina, a espera do enquadramento, do adicional, da Licença-prêmio, da Sexta-parte e de repente vai a vida, tragada pelo redemoinho de papéis inúteis e empoeirados num canto perdido do mundo.

(antoniocalixto@aasp.org.br) dezembro de 2.009

Reflexão







Reflexão

Jõ Andrade



Toda noite, gosto de me sentar para assistir as novas notícias do jornal.
Percebo que essas notícias são as mesmas de ontem, claro muda-se o protagonista, o cenário.
Mesmo assim fico atenta. Às vezes para variar vou mudando de canal... não adianta as notícias são as mesmas, as mesmas histórias, os mesmos acontecimentos .
Fico questionando o que está errado, é o homem ou o mundo? Mas uma coisa é dependente da outra.
O mundo é feito de gente, como eu, como você. Então a falha é nossa?
Temos notícias do mundo inteiro, sobre política, sobre guerra, terrorismo e violência.
Existe uma crescente onda de violência explícita e gratuita entre os seres humanos, sejam eles de qualquer classe social, que vivem no Brasil ou em qualquer parte do mundo.
Estamos nos acostumando cada vez mais com a violência que é praticada nos grandes centros urbanos. Tanto que assistimos a filmes e seriados de TV que retratam essa realidade e já não estamos mais nos assustando com isso. Pelo contrário, virou uma diversão com direito a poltrona e pipoca e bilheterias milionárias.
Percebo que o mundo é dos mais poderosos, que faz e desfaz.
Criam-se leis a favor deles próprios, para levar vantagem em tudo. Na política, corrupção, falta de ética e moral me leva a desacreditar que eu e você estamos abandonados a própria sorte.
Mas... somos a maioria, precisamos refletir para que mudanças aconteçam.
Não devemos cruzar os braços e deixar as coisas rolar do jeito que está, é preciso lutar e cobrar mais das pessoas que nos representam
.

sábado, 10 de abril de 2010

Saint-Exupèry

“Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, porque cada pessoa é única para nós e nenhuma substitui a outra.
Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai sozinho, nem nos deixa só.
Leva um pouco de nós mesmos e nos deixa um pouco de si mesmos.
Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada.
Há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada.
Esta é a mais bela realidade da vida, a prova tremenda de que cada um é importante e que ninguém se aproxima do outro por acaso.”

Esta vida

Esta vida


Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver.
A ciência, se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo.
E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.

Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida

Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.

Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!

Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.







Flor do Asfalto




Flor do asfalto, encantada flor de seda,
sugestão de um crepúsculo de outono,
de uma folha que cai, tonta de sono,
riscando a solidão de uma alameda...

Trazes nos olhos a melancolia
das longas perspectivas paralelas,
das avenidas outonais, daquelas
ruas cheias de folhas amarelas
sob um silêncio de tapeçaria...

Em tua voz nervosa tumultua
essa voz de folhagens desbotadas,
quando choram ao longo das calçadas,
simétricas, iguais e abandonadas,
as árvores tristíssimas da rua!

Flor da cidade, em teu perfume existe
Qualquer coisa que lembra folhas mortas,
sombras de pôr de sol, árvores tortas,
pela rua calada em que recortas
tua silhueta extravagante e triste...

Flor de volúpia, flor de mocidade,
teu vulto, penetrante como um gume,
passa e, passando, como que resume
no olhar, na voz, no gesto e no perfume,
a vida singular desta cidade!





Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada.
Há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada.
Esta é a mais bela realidade da vida, a prova tremenda de que cada um é importante e que ninguém se aproxima do outro por acaso.”
Saint-Exupéry







Esta vida


Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver.
A ciência, se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo.
E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.

Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida

Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.

Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!

Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.







Flor do Asfalto




Flor do asfalto, encantada flor de seda,
sugestão de um crepúsculo de outono,
de uma folha que cai, tonta de sono,
riscando a solidão de uma alameda...

Trazes nos olhos a melancolia
das longas perspectivas paralelas,
das avenidas outonais, daquelas
ruas cheias de folhas amarelas
sob um silêncio de tapeçaria...

Em tua voz nervosa tumultua
essa voz de folhagens desbotadas,
quando choram ao longo das calçadas,
simétricas, iguais e abandonadas,
as árvores tristíssimas da rua!

Flor da cidade, em teu perfume existe
Qualquer coisa que lembra folhas mortas,
sombras de pôr de sol, árvores tortas,
pela rua calada em que recortas
tua silhueta extravagante e triste...

Flor de volúpia, flor de mocidade,
teu vulto, penetrante como um gume,
passa e, passando, como que resume
no olhar, na voz, no gesto e no perfume,
a vida singular desta cidade!


Postado por Felipe às 14:32
Marcadores: poema
4 comentários:
ProfessorNelsonMS disse...
J. Felipe,

Este post sobre Guilherme de Almeida me fez viajar no tempo e lembrar de um soneto dele que conheci quando cursava o Ensino Médio e que não consigo esquecer. Este soneto chama-se Barcos de Papel e pode ser lido em :

http://www.sonetos.com.br/sonetos.php?n=8364

No seu post, o primeiro poema nos dá uma lição de como enxergar o mundo para que tenhamos muitos momentos felizes.

O segundo texto mostra a capacidade do poeta descrever uma realidade rústica num doce poema.

Gostei muito.

Um abraço.

Nelson

Sexta-feira, 17 Julho, 2009
Felipe disse...
Nelson.

Grato pela indicação

Abraços

Felipe

Sexta-feira, 17 Julho, 2009
Valdeir Almeida disse...
Felipe,

Passei por aqui para lhe desejar feliz Dia da Amizade.

Desejo que você continue com este seu jeito que cativa a todos e atrai as melhores amizades. Falo isso de coração.

Abraços e que Deus o abençoe.

Segunda-feira, 20 Julho, 2009
Jorge disse...
Mano,

Deixei no meu blog um selo (mais um) para sua coleção. Vá pegar, hoquei????



)
“Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, porque cada pessoa é única para nós e nenhuma substitui a outra.
Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai sozinho, nem nos deixa só.
Leva um pouco de nós mesmos e nos deixa um pouco de si mesmos.
Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada.
Há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada.
Esta é a mais bela realidade da vida, a prova tremenda de que cada um é importante e que ninguém se aproxima do outro por acaso.”
Saint-Exupéry

Monólogo de Uma Sombra

augusto dos anjos

"Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras...
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!

A simbiose das coisas me equilibra.
Em minha ignota mônada, ampla, vibra
A alma dos movimentos rotatórios...
E é de mim que decorrem, simultâneas,
A sáude das forças subterrâneas
E a morbidez dos seres ilusórios!

Pairando acima dos mundanos tetos,
Não conheço o acidente da Senectus
- Esta universitária sanguessuga
Que produz, sem dispêndio algum de vírus,
O amarelecimento do papirus
E a miséria anatômica da ruga!

Na existência social, possuo uma arma
- O metafisicismo de Abidarma -
E trago, sem bramánicas tesouras,
Como um dorso de azémola passiva,
A solidariedade subjetiva
De todas as espécies sofredoras.

Como um pouco de saliva quotidiana
Mostro meu nojo á Natureza Humana.
A podridão me serve de Evangelho...
Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
E com certeza meu irmão mais velho!

Tal qual quem para o próprio túmulo olha,
Amarguradamente se me antolha,
À luz do americano plenilúnio,
Na alma crepuscular de minha raça
Como urna vocação para a Desgraça
E um tropismo ancestral para o Infurtúnio.

Aí vem sujo, a coçar chagas plebéias,
Trazendo no deserto das idéias
O desespero endêmico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Filósofo Moderno!

Quis compreender, quebrando estéreis normas,
A vida fenomênica das Formas,
Que, iguais a fogos passageiros, luzem...
E apenas encontrou na idéia gasta,
O horror dessa mecânica nefasta,
A que todas as coisas se reduzem!

E hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes,
Sobre a esteira sarcófaga das pestes
A mostrar, já nos últimos momentos,
Como quem se submete a uma charqueada,
Ao clarão tropical da luz danada,
O espólio dos seus dedos peçonhentos.

Tal a finalidade dos estames!
Mas ele viverá, rotos os liames
Dessa estranguladora lei que aperta
Todos os agregados perecíveis,
Nas eterizações indefiníveis
Da energia intra-atômica liberta!

Será calor, causa ubíqua de gozo,
Raio X, magnetismo misterioso,
Quimiotaxia, ondulação aérea,
Fonte de repulsões e de prazeres,
Sonoridade potencial dos seres,
Estrangulada dentro da matéria!

E o que ele foi: clavículas, abdômen,
O coração, a boca, em síntese, o Homem,
- Engrenagem de vísceras vulgares -
Os dedos carregados de peçonha,
Tudo coube na lógica medonha
Dos apodrecimentos musculares!

A desarrumação dos intestinos
Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos
Dentro daquela massa que o húmus come,
Numa glutoneria hedionda, brincam,
Como as cadelas que as dentuças trincam
No espasmo fisiológico da fome.

E unia trágica festa emocionante!
A bacteriologia inventariante
Toma conta do corpo que apodrece...
E até os membros da família engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cadáver malsão, fazendo um s.

E foi então para isto que esse doudo
Estragou o vibrátil plasma todo,
À guisa de um faquir, pelos cenóbios?!...
Num suicídio graduado, consumir-se,
E após tantas vigílias, reduzir-se
À herança miserável de micróbios!

Estoutro agora é o sátiro peralta
Que o sensualismo sodomista exalta,
Nutrindo sua infâmia a leite e a trigo...
Como que, em suas células vilíssimas,
Há estratificações requintadíssimas
De uma animalidade sem castigo.

Brancas bacantes bêbedas o beijam.
Suas artérias hírcicas latejam,
Sentindo o odor das carnações abstêmias,
E á noite, vai gozar, ébrio de vício,
No sombrio bazar do meretrício,
O cuspo afrodisíaco das fêmeas.

No horror de sua anômala nevrose,
Toda a sensualidade da simbiose,
Uivando, á noite, em lúbricos arroubos,
Como no babilônico sansara,
Lembra a fome incoercível que escancara
A mucosa carnívora dos lobos.

Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda.
Negra paixão congênita, bastarda,
Do seu zooplasma ofídico resulta...
E explode, igual á luz que o ar acomete,
Com a veemência mavórtica do aríete
E os arremessos de uma catapulta.

Mas muitas vezes, quando a noite avança,
Hirto, observa através a tênue trança
Dos filamentos fluídicos de um halo
A destra descamada de um duende,
Que tateando nas tênebras, se estende
Dentro da noite má, para agarrá-lo!

Cresce-lhe a intracefálica tortura,
E de su'alma na cavema escura,
Fazendo ultra-epiléticos esforços,
Acorda, com os candieiros apagados,
Numa coreografia de danados,
A família alarmada dos remorsos.

É o despertar de um povo subterrâneo!
E a fauna cavernícola do crânio
- Macbetbs da patológica vigília,
Mostrando, em rembrandtescas telas várias,
As incestuosidades sangüinárias
Que ele tem praticado na família.

As alucinações tácteis pululam.
Sente que megatérios o estrangulam...
A asa negra das moscas o horroriza;
E autopsiando a amaríssima existência
Encontra um cancro assíduo na consciência
E três manchas de sangue na camisa!

Míngua-se o combustível da lanterna
E a consciência do sátiro se inferna,
Reconhecendo, bêbedo de sono,
Na própria ânsia dionísica do gozo,
Essa necessidade de horroroso,
Que é talvez propriedade do carbono!

Ah! Dentro de toda a alma existe a prova
De que a dor como um dartro se renova,
Quando o prazer barbaramente a ataca...
Assim também, observa a ciência crua,
Dentro da elipse ignívoma da lua
A realidade de urna esfera opaca.

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.

Continua o martírio das criaturas:
- O homicídio nas vielas mais escuras,
- O ferido que a hostil gleba atra escarva,
- O último solilóquio dos suicidas -
E eu sinto a dor de todas essas vidas
Em minha vida anônima de larva!"

Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocábulos,
Da luz da lua aos pálidos venábulos,
Na ânsia de um nervosíssimo entusiasmo,
Julgava ouvir monótonas corujas,
Executando, entre caveiras sujas,
A orquestra arrepiadora do sarcasmo!

Era a elegia panteísta do Universo,
Na podridão do sangue humano imerso,
Prostituído talvez, em suas bases...
Era a canção da Natureza exausta,
Chorando e rindo na ironia infausta
Da incoerência infernal daquelas frases.

E o turbilhão de tais fonemas acres
Trovejando grandiloquos massacres,
Há-de ferir-me as auditivas portas,
Até que minha efêmera cabeça
Reverta á quietação da treva espessa
E à palidez das fotosferas mortas!