quinta-feira, 22 de abril de 2010

PENSAMENTOS DE SAINT-EXUPÉRY


“Estou profundamente triste, - e em profundidade (...) Estou triste por causa de minha geração que se está esvaziando de toda substância humana. Que, só tendo conhecido o bar, as matemáticas e os “Bugatti” como formas de vida espiritual, acha-se hoje em uma ação estritamente gregária que não tem mais cor alguma.”
“Odeio meu tempo com todas as veras do coração (...) Odeio este tempo em que o homem se torna, debaixo de um totalitarismo universal, rebanho manso, polido e tranqüilo”. (na famosa carta ao General Chambe )
“Nada está mais ameaçado do que a esperança”

Sobre a técnica, o avião - em Terre des Hommes:
“Uma ferramenta como as outras... Como o arado. Além da ferramenta e através dela, é a velha natureza humana que encontramos. A do jardineiro, do navegador, do poeta”.
Saint-Exupéry teme que o homem se torne o “homem-cupim”, “o homem castrado de todo o seu poder criador e que, do fundo de sua aldeia, não sabe mais criar nem mesmo uma dança nem uma canção”. ...o homem que se alimenta de cultura de confecção, de cultura-standard como se alimentam os bois de capim.”

Sobre a morte:
“Há uma extraordinária sensação que acompanha, às vezes a iminência da morte: um descanso inesperado”.
“Como contar esses campos e esse calmo sol? Como dizer: "compreendi os campos, o sol”... “E no entanto, era verdade. Durante alguns segundos, senti, em sua plenitude, a cintilante calma deste dia.”
“Não é a morte que me aterroriza. Parece-me quase doce quando está ligada à vida”.
Quando, em 1940, soube da morte de Guillaumet, escreve muito sobriamente: “Não o lamento. Jamais pude lamentar os mortos...“ “Tenho uma extrema necessidade de considerar que tudo é simples. É simples nascer. E simples crescer. E simples morrer de sede.”
“A morte e eu nunca nos encontramos; se ela é, eu já não sou mais; se eu sou, ela não é ainda”.
“O que se teme é o inesperado, a explosão, tem-se medo de si mesmo. A morte? Não. Não há mais morte quando a encontramos.”
“Quando se desfaz o corpo, aparece o essencial. O homem não passa de um nó de relações. Somente as relações contam para o homem. O corpo, velho cavalo, é abandonado.”
“Parecerei morto, mas não é verdade (...) Compreenda, é longe demais. Não posso levar este corpo. Pesa muito (...) Mas será como uma velha casca abandonada. Que tristezas trazem as velhas cascas ?" (no Pequeno Príncipe)
“O que dá um sentido à vida dá à morte um sentido.”
“A significação da morte equilibra a morte”.
“Só aceitas morrer por aquilo por que podes viver.”
“Ninguém morre por carneiros, nem por cabras, nem por casas, nem por montanhas, pois os objetos subsistem sem que nada lhes seja sacrificado. Morre-se, porem, para salvar o invisível nó que os liga e os transforma em domínio, em império, em rosto reconhecível e familiar.”
“Contra esta unidade a gente se troca, pois se constrói quando se morre. A morte vale por causa do amor. E aquele que lentamente trocou sua vida pela obra bem feita e que dura mais do que a vida, pelo templo que caminha através dos séculos, aceita também morrer se seus olhos souberem destacar o palácio do disparate dos materiais e se deixa fascinar pela sua magnificência e deseja nele fundir-se”.
“Pois será recebido por algo maior do que ele e se entrega ao seu amor”.
Abertura do livro "TERRA DOS HOMENS":

MAIS coisas sobre nós mesmos nos ensina a terra que todos os livros. Porque nos oferece resistência. Ao se medir com um obstáculo o homem aprende a se conhecer; para superá-lo, entretanto, ele precisa de ferramenta. Urna plaina, uma charrua. O camponês, em sua labuta, vai arrancando lentamente alguns segredos à natureza; e a verdade que ele obtém é universal. Assim o avião, ferramenta das linhas aéreas, envolve o homem em todos os velhos problemas.
Trago sempre nos olhos a imagem de minha primeira noite de vôo, na Argentina — uma noite escura onde apenas cintilavam, como estrelas, pequenas luzes perdidas na planície.
Cada uma dessas luzes marcava, no oceano da escuridão, o milagre de uma consciência. Sob aquele teto alguém lia, ou meditava, ou fazia confidências. Naquela outra casa alguém sondava o espaço ou se consumia em cálculos sobre a nebulosa de Andrômeda. Mais além seria, talvez, a hora do amor. De longe em longe brilhavam esses fogos no campo, como que pedindo sustento. Até os mais discretos: o do poeta, o do professor, o do carpinteiro. Mas entre essas estrelas vivas, tantas janelas fechadas, tantas estrelas extintas, tantos homens adormecidos...
É preciso a gente tentar se reunir. É preciso a gente fazer um esforço para se comunicar com algumas dessas luzes que brilham, de longe em longe, ao longo da planura.
MOZART assassinado...
Ao concluir Terra dos Homens, na última página do livro, parte final, Saint-Exupéry escreve:
Sento-me diante de um casal. Entre o homem e a mulher a criança, bem ou mal, havia se alojado, e dormia. Volta-se, porém, no sono, e seu rosto me aparece sob a luz da lâmpada. Ah, que lindo rosto! Havia nascido daquele casal uma espécie de fruto dourado. Daqueles pesados animais havia nascido um prodígio de graça e encanto. Inclinei-me sobre a testa lisa, a pequena boca ingênua. E disse comigo mesmo: eis a face de um músico, eis Mozart criança, eis uma bela promessa da vida. Não são diferentes dele os belos príncipes das lendas. Protegido, educado, cultivado, que não seria ele? Quando, por mutação, nasce nos jardins uma rosa nova, os jardineiros se alvoroçam. A rosa é isolada, é cultivada, é favorecida. Mas não há jardineiros para os homens. Mozart criança irá para a estranha má­quina de entortar homens. Mozart fará suas alegrias mais altas da música podre na sujeira dos cafés-concerto. Mozart está condenado.
Voltei para o meu carro. E pensava: essa gente quase não sofre o seu destino. E o que me atormenta aqui não é a caridade. Não se trata da gente se comover sobre uma ferida eternamente aberta. Os que a levam não a sentem. É alguma coisa como a espécie humana, e não o indivíduo, que está ferida, que está lesada.
Não creio na piedade. O que me atormenta é o ponto de vista do jardineiro. O que me atormenta não é essa miséria na qual, afinal de contas, um homem se acostuma, como no ócio. Gerações de orientais vivem na sujeira e gostam de viver assim.
O que me atormenta, as sopas populares não remedeiam. O que me atormenta não são essas faces escavadas nem essa feiúra. É um pouco em cada um desses homens, Mozart assassinado.
*
Só o Espírito, soprando sobre a argila, pode criar o Homem.

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