quarta-feira, 31 de março de 2010

SASKIA

SASKIA

Você vem
Esqueço tudo
Os problemas triviais
Os medíocres
As injustiças

Ilumina o entardecer
Plantei suas árvores
Vivo de sonho
Os meninos cresceram
O mundo diferente
Luz e festa

A estrela brota no céu
Invisível e sem cor
brilhante e bela
Ilumina a terra
Tropeça nas nuvens
Brinquedos invisíveis
Bichinhos variados
Formas diferentes

Corre pelos cantos
Pelo mundo
Pisa nas estrelas
Renova o tempo
Novo sentido
Renasce a vida
Um caminho de postes iluminados


A. Calixto – Ribeirão Preto, 13.08.09

sexta-feira, 12 de março de 2010

EDUCAÇÃO

“O artigo de Paulo Renato Souza
(“Melhores professores na rede”,
“Tendências/Debates”, 28/1) mostra
como o ensino público no Estado é
tratado de forma irresponsável. O
autor parte da falsa premissa de
que a avaliação dos professores vai
melhorar o nível do ensino e confessa
candidamente que professores
que não obtiveram aprovação serão
aproveitados.
O Estado contrata professores
“temporários” há mais de 30 anos,
emperra a burocracia estatal com
ações judiciais perdidas antecipadamente,
enriquece escritórios de
advocacia e agora gasta desnecessariamente
recursos públicos com
empresas de avaliação para deixar
tudo como está.”


ANTONIO CALIXTO, professor efetivo
da rede pública, ex-deputado estadual
(Ribeirão Preto, SP) - Publicado na "Folha de São Paulo", 30.01.2010 - Painel do Leitor.

A VENDA



Uns doces estranhos na pequena vitrine, caixa de bacalhau e caixa de manjuba, ambas abertas, vários litros de cachaça, uma lata velha marrom com coco ralado, a caixa de madeira no meio de venda era onde se guardava as vendas a vista, coisa rara. um borrador e logo acima os livros de verdade,densos e de capa preta. Um velho móvel com tampas, para venda de produtos a granel. Os dias eram iguais. Os assuntos não variavam. O Palmeiras era o centro. A política local. Depois de cada derrota no pleito eleitoral dizia com otimismo. Só faltam mil dias para as próximas eleições. Amava política, mas não tinha adversário. Ao seu lado uma mulher t aroeira, coberta por uma ética e bondade extrema. As compras eram registradas no borrador. Depois lançadas no livrão. O pagamento anual, sempre na colheita. Não havia inflação. Em dois cômodos, chamados de reservados, sacos fechados e abertos de feijão e arroz, juntos bolas. O balanço anual como dizia o proprietário com sabedoria: “ to comendo e bebendo, tá bom demais, o que sobrar é lucro”. Os mais humildes encontravam amparo e carinho. Dinheiro não era problema. Todos tinham crédito: arroz, farinha, botinas e até pinga. A gente era feliz tirando lascas do bacalhau e comendo manjubas. Tudo fiado, bem a gosto do freguês . O dinheiro que entrava para a pequena gavetinha era miúdo, mas fazia uma grande fartura. A fartura do pão dividido. Os pobres eram tratados com dignidade e iluminados pela bondade serena daquele homem. Cada viajante não se preocupava em vender. Tornavam-se amigos. Estimulavam uma divertida concorrência entre os comerciantes para ver quem comprava mais. Ali a parada, o repouso, o abrigo permanente. O dono do armazém por algum tempo, dirigiu o SAEC, time de uniforme verde, tudo verde, como tingida de verde foi a cidade pelos dois irmãos, um de frente ao outro, num duelo de alegria permanente, de gritos e solidariedade. Espelhos, gorrinhos, meias do “Parmera”. Palmerenses, em sua maioria descendentes de sírios. Estranhamente a colônia italiana era torcedora do São Paulo. Alguns corintianos tradicionais. Santistas da geração Pelé, integravam aquele mundo belo e verde. Nas tardes, os animais amarrados nas guias das calçadas, cervejas quentes, sardinha, óleo e cebola. Um banquete assumido com simplicidade e animação por animados cavaleiros. No centro daquela venda, um ser humano com cara de coração. A palavra não jamais existiu em seu vocabulário. Ninguém saía de seu estabelecimento descontente. Distribuição permanente de tudo. A solidariedade em grandes proporções, inesgotável sempre. Seu primeiro veículo foi uma bicicleta, depois a velha Brasília. Vivia com simplicidade. Encarnava a simplicidade. Curtia a alegria e o luxo das relações humanas. Todos eram irmãos, mais que amigos. Amava e era amado. Foi embora de repente, sem sofrimento. A partida de um justo. No dia que ele se foi – uma procissão de órfãos, com suas lembranças nos pés, na cintura e na cabeça. Cintos, botinas e chapéus cintilavam como lembrança do amigo que partiu de repente. Sem sofrimento, como merecem os bons. O mundo jamais foi o mesmo. Sem querer, deixei de sonhar. Perdi meu ombro de amigo e o irmão quase pai. A estrada ficou vazia, estreita e árida.

Antonio Calixto – Alegriense. Advogado e Professor. Foi deputado estadual constituinte.
(Dedico os rabiscos acima a João Aiub Calixto, o João.)

À MEIA NOITE






O filme é da década de 1.940. Não tínhamos nascido. Antes do término da Segunda Guerra Mundial. É simples. Cenários simples, poucos atores, o suficiente para fazer uma obra de arte. O enredo é simples e de uma obviedade ingênua. Logo nas primeiras cenas percebe-se que o estrangulador da tia de Paula, é o marido pelo qual a protagonista se apaixonou em algumas semanas. Volta a morar na Londres dos anos 40, movida a lampiões de gás. Por amor ao marido, venceu o medo de voltar a casa número 9, na Praça de Londres, que pertencera a tia, cantora de ópera famosa, com quem fora criada e não conseguira superar a perda. No mesmo casarão, com jeito de museu, reside com o marido, com Elizabeth, a cozinheira, e com Nancy, jovem e audaciosa empregada. Ao chegarem Paula e Gregory encontram tudo no mesmo lugar. E para evitar as lembranças, o marido sugere colocar e lacrar todos os pertences e quinquilharias ano sótão. não foram encontradas por ocasião do assassinato. O assassino sabia da existência das jóias raras não encontradas por ocasião do assassinato não desvendado. Começa a fazer tudo para que Paula pareça ter perdido a razão, confundindo-a com toda série de artifícios, para que parecesse que perdera a sanidade e Paula realmente passou acreditar que não se lembrava de coisas, que estava confusa e deveria estar mesmo louca. Trancou-a na casa sombria, não permitindo que não saísse de por motivo algum. Uma vizinha bisbilhoteira desconfia que algo estranho estivesse acontecendo. Um homem da Scotland Yard aparece e revisita o arquivo de um dos poucos assassinatos bárbaros não solucionados. É desencorajado pelo seu chefe a ir adiante. Mas segue em frente e acaba por desmarcar Gregory, ao descobrir que entrava pelos fundos da casa, atingindo o sótão, a procura das jóias. Quando acendia os lampiões no sótão, outros lampiões da casa quase se apagavam. Quando voltava de para casa, a luz dos lampiões ganhava força. O barulho. Os lampiões, que acendiam e apagavam, tornavam cada vez pior o estado mental de Paula, que acreditava estar ouvindo sons. Paula torna-se a cada dia mais indefesa as armadilhas do marido que à induz a acreditar que está mesmo louca. O filme é americano, a direção é de George Cukor, a protagonista Ingrid Bergman, conquistou seu primeiro Oscar. Charles Boyer, o marido. Josefh Cotten, o policial, que descobre o assassino, num cenário de contraste de luz e sombra, que simbolizam o jogo mental, do qual Paula é refém. À Meia Luz, é um clássico. Uma obra praticamente filmada em estúdio, baratíssima sem os recursos técnicos de hoje. Apenas Almodóvar com personagens que parecem extraídos do cotidiano consegue fazer filme sem a gastança exagerada das mega produções atuais. Superproduções milionárias, com recursos da computação gráfica, que fazem a alegria dos habitantes do mundo globalizado, exportando violência para os países da periferia, cada vez mais engolidos pelo capitalismo selvagem.

Antonio Calixto – É advogado e professor universitário e professor efetivo em História na rede pública estadual. Foi Vereador, Vice-Prefeito e Deputado Estadual (antoniocalixto@aasp.org.br).

A CHAVE




É repartição pública, onde não se exige identificação para entrar. É gente demais, entrando e saindo. Não raro, alguém de fora necessita fazer alguma necessidade, quando vem dor ou vontade, sem aviso prévio. Alguns por serem mais elevados do que os mortais comuns não fazem essas coisas. Depois de discussões e acalolarados debates, com a pressão organizada das companheiras de trabalho, que não se conformovam com a má educação do povo e a sujeira deixada no local, determinou-se colocar um paradeiro nos abusos, perpetrados esses seres, que além de sentirem necessidades fora de casa, deixam a privada imunda e sem condições de uso . O pior, não havia sabão ou detergente que chegasse para colocar em ordem algo que deveria ser usado com moderação, critério e apenas pelos servidores da casa. É a opinião Rassiniana. Predominante, no momento. Acabou prevalecendo esta posição contra a vontade da Mãe, que não se conformvava com o fechamento de um banheiro que deveria ser de uso público. “A repartição pública e pertencia ao povo, que pagava seus impostos e o salário de todos que trabalhavam na organização” falava com seus botões. Foi voto vencido. Prevaleceu a vontade das responsáveis pela limpeza e ala mais conservadora. O banheiro deveria ser trancado e seu uso restrito. Público jamais. A cada dor de barriga uma enorme correria. Onde encontrar a chave? A descoberta da chave a cada dia se transformava num mistério maior. Onde está a chave ? A pergunta mais comum que se fazia a cada gesto de quase desespero nos corredores. A mãe inconformada ficava. Com tantos problemas que cercavam a repartição, agora mais um. O banheiro trancado. “E os meus filhos desprotegidos pela sorte, sem eira nem beira, vítimas de si próprias e de um sistema que só protege os mais favorecidos” meditava. Várias confusões foram criadas. Pessoas de fora pediam a chave. A chave o problema. A chave o alívio. Até que um dia um guarda prestando serviço para outra repartição pediu para usar o banheiro. A mãe procurou a chave. Não estava nos lugares, onde poderia ser vista. Quando a chave foi encontrada e a porta foi aberta a chefe da Higiene protestou veementemente contra tanta ousadia e irresponsabilidade. Usar o banheiro prestes a ser limpo. “E que necessidade aquela fora do comum, logo aquela hora da manhã”. O momento não era próprio. Dar chave ao intruso, a um estranho, não é possível. Só pode ser idéia da mãe. A mãe tem o testemunho do ex-atleta, que viu o “rapaz da Febem” entregar a chave que foi recolocada no novo lugar: “O Cantinho do Cantor”. Não tem nada com isso. Quem ousaria responder para a mãe. A mãe que é mãe dos filhos, dos avós, dos amigos e de todos. Com o sumiço da chave desaparece um grande problema. O “sujinho” está novamente aberto ao público. O crime virou solução. Sem chave, melhor. Existe uma felicidade no ar. O ar está mais puro. Todos respiram aliviados os gases emanados daquele local de felicidade. A porta do povo de aberta de novo.