sexta-feira, 21 de maio de 2010

O MARMITEIRO

Como todos que chegam da sala de aula chegou a Repartição alegre e saltitante. Tem sobrenome de gente rica, mas é apenas mais um sofredor da área da educação em São Paulo. E as pessoas ligadas a essa área são vítimas da prepotência, da arrogância e do autoritarismo. E sair de uma sala de aula, que não oferece condições mínimas de trabalho é um grande alívio. Chegou sorridente, afável, conquistou amigos pela postura simples e afabilidade. Logo chegou a Cozinha. Lá é o lugar dos marmiteiros, onde cada um zela pelo seu prato de comida como se fosse o último, como diria Chico Buarque. As responsáveis pela limpeza tudo sabem, tudo enxergam. E a sua chegada a cozinha não passou despercebida por uma delas, que curiosa, não entendia àquele personagem, que chegava de mansinho e comia tudo que era do coletivo e a cada dia se tornava mais exigente: vinagre balsâmico, azeite extra-virgem, manteiga original, ovos vermelhos e tudo que fosse do bom e do melhor. Um dia, indignada percebeu que sob aquele olhar manso e cândido e aquele sorriso estava um “aproveitador.” Ele comia de tudo, saboreava de tudo, mas não colaborava com nada. O que é pior suas exigências quase sempre eram cumpridas. Até àquele de óculos, calça preta, sapato preto e meia marrom, que usava há várias semanas e conhecido por ser um grande conhecedor de finanças trouxe azeite balsâmico e azeite extra-virgem. Não é possível, dizia a observadora. Todos se curvam à vontade de um aproveitador que só sabe usufruir e jamais colaborar. Nem a ousadia de prometer tinha. Mas fazer o que ? O negócio é continuar comendo a comida dividida, na hora tão sagrada, onde todos esquecem da vida e riem do nada. E o aproveitador acaba sendo absorvido por todos que fazem das marmitas de todo dia, um grande banquete, porque regado a risos, a conversa fiada e com o sabor da amizade. Fazer o que ? Tem de tudo deste mundo. E o novo marmiteiro acaba de integrar esse reino anônimo “dos com marmita” e o universo daqueles que colaboram. E não abre mão de seus princípios de vida: “Eu colaborar o que ? Eles é que devem agradecer de um nome tão famoso como o meu, participar com eles e ainda com a obrigação de ficar olhando marmitas, com arroz, feijão e ovo ? E quando aparece alguma carne então ? É muito raro. Um bando de famintos? Eu tenho de cumprir a minha sina de esperar que apareça algo mais substancioso para alimentar o meu estômago, que desde que cheguei a repartição continua vazio ?” A Fazer o que ? A vida é assim mesmo. Vou seguir em frente. Suporto tudo, prá não ver cara de aluno. ? Até a Telma, que com sua língua ferina e vassoura alucinante vai destruindo tudo que vê pela frente. Até eu, que mal acabo de chegar ? E a minha presença não vale nada. Entro com prazer naquele círculo onde recebo sem dar. É o meu lema”.

14.05.10 – (antoniocalixto@aasp.org.br)

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