sexta-feira, 21 de maio de 2010

CADÊ MEU CHÁ

CADÊ MEU CHÁ ?
Ele chegou a repartição discretamente. Não queria ser nem reconhecido pelos talentos múltiplos que possui. Espirituoso, crítico, mordaz, inteligente tem uma história de rebeldia nos meios de comunicação. É conhecido desde o início de sua carreira. Graças ao seu esforço pessoal e a vontade de aprimorar seus conhecimentos cursou Geografia. Jamais usou sua influência para obter benefício. Entrou nos quadros do Estado pela porta da frente, mediante concurso público. Usa com o seu aprendizado na universidade em favor do povo. Não busca o politicamente correto, mas está sempre a serviço da causa da conscientização. Tem o poder de fazer programas populares, tanto no rádio como na TV, com qualidade. Aceita o debate, investe nele, induz a crítica e cada vez que aparece, marca com competência o seu nome. Sacrificou-se muito tempo, em outras pairagens distantes. Até que apareceu no Paraíso. Queria permanecer anônimo. O corpo forte, a voz conhecida e o apelido pelo qual é conhecido tornam impossível a missão de permanecer esquecido no canto de uma sala empoeirada pelos anos e burocracia endurecida. Cada Setor tem uma nomenclatura própria. Denominação dada pelos próprios servidores. Tem até Sorbonne, em homenagem aos intelectuais da vetusta universidade. Ele pertence a um setor dos mais difíceis e que na verdade suporta o ônus de trabalhos difíceis. Como todo mundo que aqui abarca, fica surpreso com os carimbos, os calhamaços de papéis, as relações de remessa e o imensurável número de “guichês”, em plena era da informática e da automação. Pouco a pouco vai descobrindo que os que menos ganham, na verdade são os que carregam o peso da máquina, sem rostos, sem salário, sem cursos de reciclagens ou relações humanas. Sem treinamento dentro da própria área de atuação. Não há estímulo, apenas o peso de uma burocracia centenária, que se prende a pormenores e não a responsabilidade, exigida hoje pelas empresas mais eficientes e modernas. Vai descobrindo belíssimas criaturas humanas, que a burocracia não conseguiu endurecer. Cada um dentro de suas limitações vai fazendo o pode. Um dia o novo burocrata chega na busca do líquido preferido, não o preto – mas o transparente , que denominam chá. Ele precisa tomar chá e comer em determinados períodos, com remédio de para uma cirurgia realizada. De repente, a Chefe da Limpeza, responsável pela ordem, pelo café, pela bolacha, resolve naquele dia não patrocinar o chá. E de repente estabelece-se a celeuma. O servidor reclama. A chefe da limpeza retruca. E tudo vai parar nas mãos da Superiora. E por petição. E no final, o novo servidor vai descobrindo que todos são vítimas de um sistema que oprime e não existem culpados. “O melhor é a gente se acostumar “. Mas diz em voz alta para todos possam ouvir: “cadê o meu chá, eu quero o meu chá, reclama como um bebê que naquele dia a mãe esqueceu de alimentar.
Rib. Preto, 05.04.10 - (antoniocalixto@aasp.org.br)

Nenhum comentário:

Postar um comentário