sexta-feira, 21 de maio de 2010

O LIVRO PONTO

Existe. A mulher do Ponto. A suas formas estão atenuadas. Está elegante e veste jeans. Seus passos nos corredores já não assustam tanto. Às vezes, dependendo do dia e do humor continua assustando. Quando olha de soslaio todos tremem. É católica fervorosa, religiosa, presente em todos os eventos da Igreja. Às 16.30 o maridão estaciona seu possante diante do local de efervescência. Como fiscalizar depois do horário. Faz isto sem dificuldades por outros olhos atentos e dispostos a controlar os rebeldes. O que importa é a missão cumprida. Um dia vai haver reconhecimento. O importante é a regra, o regulamento, o horário. A repartição é sua vida. Passa pelos corredores imprimindo a sua autoridade. Olha de soslaio, como se não tivesse vendo os trabalhadores sob sua batuta. Responsabilidade, eficiência, dever cumprido, profissionalismo pouco valem diante do olhar impassível daquela mulher, que encara o seu ofício mais que um dever, uma missão. Corre de ponta a ponta os corredores da repartição. Ela tem alguns alvos de busca favoritos. Rebeldes que não se amoldam ao esquema rígido, mas não escapam ao seu controle. Esse negócio de empresa moderna é coisa de neoliberais. Responsabilidade, eficiência, competência, produção são palavras abolidas e que não integram o dia a dia da Repartição. Aqui é à maneira antiga, como ocorreu no século XX e funcionou bem. O que vale é a presença física e o Ponto. O livrão azul desperta um temor quase sagrado. Mas ninguém tem culpa. Isso ocorre há anos. É preciso dar serviço para todos. É preciso fiscalizar, olhar, verificar, constatar, informar. Também a repartição está submetida à Unidade maior, que se preocupa em arrumar um lugar para todos. No tempo do liberalismo, da informática e da globalização é preciso continuar carimbando ou as funções acabam. É preciso preencher papeletas. É preciso interpretar as resoluções e manifestações da tecnocracia superior. Cursos de aperfeiçoamento, trabalho em grupo ou de equipe, bom atendimento ao público isso é miragem que não chegou ao serviço público do Brasil. Bobagem. Funciona assim antes do Adhemar de Barros e vai continuar funcionando depois do Serra. É cada um para si e Deus para todos, como se dizia antigamente. Uma das funções mais importante, é de fiscal do Livro-Ponto, algo antigo, mas eficiente,que além de controle serve como instrumento de poder e repressão. O livrão azul é temido e respeitado por todos.. Para que o controle seja mais eficiente sobre a população que circula desvairadamente pelo próprio público, criou-se a figura da “folha-ponto”. É uma forma de controlar melhor o alto escalão. A folha ponto é filha preferencial do livrão e também é muito respeitada. Todos os dias é lida, checada e revista. É assim que funciona. Sem mudança. É a rotina, a espera do enquadramento, do adicional, da Licença-prêmio, da Sexta-parte e de repente vai a vida, tragada pelo redemoinho de papéis inúteis e empoeirados num canto perdido do mundo.

(antoniocalixto@aasp.org.br) dezembro de 2.009

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