quinta-feira, 31 de março de 2011

OBAMA

Havana. 23 de Março, de 201


"As verdadeiras intenções da
aliança igualitária"

(Extraído do CubaDebate)

ONTEM foi um dia longo. Desde o meio-dia, estive acompanhando as peripécias de Obama no Chile, como fiz no dia anterior com suas aventuras na urbe do Rio de Janeiro. Essa cidade, em brilhante desafio, derrotara Chicago em sua aspiração de ser sede da Olimpíada de 2016, quando o novo presidente dos Estados Unidos e Prêmio Nobel da Paz parecia um êmulo de Martin Luther King.

Ninguém sabia quando chegaria a Santiago do Chile e o que faria ali um presidente dos Estados Unidos, onde um dos seus antecessores tinha cometido o doloroso crime de promover a derrubada e a morte física do seu heroico presidente, torturas horríveis e o assassinato de milhares de chilenos.

De minha parte, tentava ao mesmo tempo acompanhar as notícias que chegavam da tragédia do Japão e da brutal guerra desencadeada contra a Líbia, enquanto o ilustre visitante proclamava a "aliança igualitária" na região do mundo onde a riqueza está pior distribuída.

Entre tantas coisas, me descuidei e não assisti nada do opíparo banquete de centenas de pessoas com as iguarias com que a natureza dotou os mares, que de se ter realizado num restaurante de Tóquio, cidade onde se paga até US$ 300 mil por um atum fresco de barbatana azul, seriam arrecadados até US$ 10 milhões.

Era demasiado trabalho para um jovem da minha idade. Escrevi uma breve Reflexão e dormi depois longas horas.

Hoje de manhã, eu estava fresco. Meu amigo não chegaria a El Salvador até depois do meio-dia. Solicitei telexes, artigos da internet e outros materiais recém-chegados.

Vi, em primeiro lugar, que, por minha culpa, os telexes tinham dado importância àquilo que eu disse em relação ao meu cargo de primeiro secretário do Partido, e vou explicá-lo da maneira mais resumida possível. Concentrado na "aliança igualitária" de Barack Obama, um assunto de tanta relevância histórica ―falo a sério―, nem sequer me lembrei que no próximo mês será realizado o Congresso do Partido.

Minha atitude em relação ao tema foi elementarmente lógica. Ao compreender a gravidade da minha saúde, fiz o que a meu ver não foi necessário, quando tive o doloroso acidente em Santa Clara; após a queda, o tratamento foi duro, mas a vida não estava em perigo.

Todavia, quando escrevi o proclama de 31 de julho foi evidente para mim que o estado de saúde era sumamente crítico.

Depus logo todos meus cargos públicos, acrescentando ao proclama algumas instruções para oferecer segurança e tranqüilidade à população.

Não era necessária a renúncia, em concreto, de cada um dos meus cargos.

O cargo mais importante para mim era o de primeiro secretário do Partido. Por ideologia e por princípio, em uma etapa revolucionária, a esse cargo político corresponde a máxima autoridade. O outro cargo que exercia era o de presidente do Conselho de Estado e do Governo, eleito pela Assembleia Nacional. Para ambos os cargos, havia um substituto, e não em virtude de vínculo familiar, que jamais considerei fonte de direito, mas por experiência e méritos.

A patente de comandante-em-chefe foi-me outorgada pela própria luta, uma questão de casualidade mais do que de méritos pessoais. A própria Revolução, numa etapa posterior, designou corretamente a chefia de todas as instituições armadas ao presidente, um cargo que, em minha opinião, deve corresponder ao do primeiro secretário do Partido. Entendo que assim deve ser num país que, como Cuba, tem tido que encarar um obstáculo tão considerável como o império criado pelos Estados Unidos.

Decorreram quase 14 anos desde o anterior Congresso do Partido, período durante o qual aconteceram o desaparecimento da URSS e do bloco socialista, o período especial e minha própria doença.

Quando progressiva e parcialmente recuperei a saúde, nem sequer passou por minha cabeça a ideia ou a necessidade de formalizar a renúncia expressa de cargo algum. Aceitei nesse período a honra da eleição como deputado à Assembleia Nacional, que não exigia da presença física, e com a qual podia partilhar ideias.

Como agora disponho de mais tempo que antes para observar, informar-me e expor determinados pontos de vista, cumprirei modestamente meu dever de lutar pelas ideias que tenho defendido ao longo da minha modesta vida.

Transmito aos leitores minhas desculpas pelo tempo consumido nesta explicação, que as circunstâncias acima mencionadas me levaram a fazê-lo.

O assunto mais importante, não o esqueço, é a insólita aliança entre milionários e famintos sugerida pelo ilustre presidente dos Estados Unidos.

Os bem informados — aqueles que sabem, por exemplo, a história deste hemisfério, suas lutas, ou inclusive, só a do povo de Cuba defendendo a Revolução contra o império que, como o próprio Obama reconhece, tem durado mais tempo do que "sua própria existência" —, com certeza ficarão espantados com a proposta dele.

Sabe-se que o atual presidente consegue alinhavar bem as palavras, circunstâncias que, junto à crise econômica, ao crescente desemprego, às perdas de moradias, e à morte de soldados norte-americanos nas guerras estúpidas de Bush, ajudaram-no a obter a vitória.

Depois de observá-lo bem, não me surpreenderia que fosse o autor do ridículo título com que foi batizada a chacina na Líbia: "Odisseia do Amanhecer", que fez tremer os restos mortais de Homero e dos que contribuíram a fraguar a lenda dos famosos poemas gregos, embora admita que, talvez, o título fosse uma criação dos chefes militares que manuseiam os milhares de armas nucleares, com as quais, uma simples ordem do Prêmio Nobel da Paz pode determinar o fim da nossa espécie.

Do seu discurso aos brancos, pretos, índios, mestiços e não-mestiços, crentes e não crentes das Américas, proferido no Centro Cultural Palácio de La Moneda, as embaixadas dos Estados Unidos distribuíram cópia fiel em toda parte, e foi traduzido e divulgado pela Chile TV, CNN, e imagino que por outras emissoras em outras línguas.

Este tinha o mesmo estilo daquele que proferiu no primeiro ano de seu mandato, no Cairo, a capital de seu amigo e aliado Hosni Mubarak, cujas dezenas de bilhões de dólares subtraídos ao povo é de supor que era do conhecimento do presidente dos Estados Unidos.

"… O Chile tem demonstrado que não temos porque ficar divididos por raças […] ou conflitos étnicos", assegurou; deste modo, o problema americano foi apagado do mapa.

Quase a segir insiste obsessivamente em que "…este maravilhoso lugar onde nos encontramos, a poucos passos do lugar onde o Chile perdeu sua democracia há várias décadas…" Tudo menos mencionar o golpe de Estado, o assassinato do pundonoroso general Schneider, ou o nome glorioso de Salvador Allende, como se o governo dos Estados Unidos não tivesse absolutamente nada a ver.

O grande poeta Pablo Neruda, cuja morte foi acelerada pelo golpe traiçoeiro, foi sim pronunciado em mais de uma ocasião, neste caso para afirmar de forma belamente poética nossas "estrelas" primordiais são a "luta" e a "esperança". Ignora Obama que Pablo Neruda era comunista, amigo da Revolução Cubana, grande admirador de Simón Bolívar, que renasce a cada cem anos, e inspirador do Guerrilheiro Heróico Ernesto Guevara?

Fiquei admirado, quase desde o começo da sua mensagem, com os profundos conhecimentos históricos de Barack Obama. Algum assessor irresponsável esqueceu explicar-lhe que Neruda era militante do Partido Comunista do Chile. Depois de outros parágrafos insignificantes, reconhece: "Sei que não sou o primeiro presidente dos Estados Unidos a prometer um novo espírito de cooperação com os nossos vizinhos latino-americanos. Sei que, às vezes, os Estados Unidos têm tomado por descontada esta região."

"… A América Latina não é o velho estereótipo de uma região em conflito perpétuo nem atingida por ciclos intermináveis de pobreza."

"Na Colômbia, grandes sacrifícios por cidadãos e forças da segurança restauraram um nível de segurança que não se via há décadas." Ali jamais houve narcotráfico, paramilitares, nem cemitérios clandestinos.

No seu discurso, a classe operária não existe, nem camponeses sem terras, também não os analfabetos, a mortalidade infantil ou materna, os que perdem a vista, ou são vítimas de parasitas, como a doença de Chagas, ou de enfermidades bacterianas, como o cólera.

"De Guadalajara a Santiago e São Paulo, uma CLASSE MÉDIA está exigindo mais de si própria e mais do seu governo", expressa.

"Quando um golpe de Estado em Honduras ameaçou o progresso democrático, os países do hemisfério invocaram unanimemente a Carta Democrática Interamericana, o que ajudou a colocar as bases do retorno ao estado de Direito."

A verdadeira razão do maravilhoso discurso de Obama se explica de forma indiscutível na metade da sua mensagem e com suas próprias palavras: "A América Latina apenas vai se tornar mais importante para os Estados Unidos, especialmente para nossa economia. […] Compramos mais dos seus produtos e serviços do que nenhum outro país, e investimos mais nesta região do que nenhum outro país. […] exportamos mais de três vezes para a América Latina do que exportamos para a China. Nossas exportações para esta região… aumentam mais rápido do que nossas exportações para o resto do mundo…". Pode-se então deduzir disto que, "enquanto mais próspera for a América Latina, mais prósperos serão os Estados Unidos."

Dedica mais adiante insípidas palavras aos fatos reais:

"Mas sejamos francos e admitamos também […] que o progresso do continente americano não é suficientemente rápido. Não para os milhões que sofrem a injustiça da extrema pobreza. Não para as crianças nos bairros e nas favelas, que só querem ter as mesmas oportunidades que as outras."

"O poder político e econômico está concentrado freqentemente nas mãos de uns poucos, em lugar de servir à maioria", expressou textualmente.

"Não somos a primeira geração que encara esses desafios. Há exatamente 50 anos, o presidente John F. Kennedy propôs uma ambiciosa Aliança para o Progresso."

"O desafio do presidente Kennedy persiste: ‘construir um hemisfério em que todos [os povos] possam ter a esperança de um padrão de vida apropriado, em que todos possam viver com dignidade e liberdade’."

É incrível que venha agora com essa história tão grosseira que constitui um insulto à inteligência humana.

Não tem mais alternativa do que mencionar entre as grandes calamidades um problema que se origina no colossal mercado dos Estados Unidos e com armas homicidas desse país: "As gangues de criminosos e narcotraficantes não são apenas uma ameaça para a segurança dos cidadãos. São uma ameaça para o desenvolvimento, porque afugentam os investimentos de que precisa a economia para prosperar. E são uma ameaça direta para a democracia, porque alentam a corrupção que socava as instituições de dentro."

Mais adiante acrescenta a contragosto: "Porém nunca eliminaremos o atrativo dos cartéis e das gangues a não ser que também enfrentemos as forças sociais e econômicas que alimentam a criminalidade. Precisamos chegar aos jovens vulneráveis antes que recorram às drogas e ao crime."

"Como presidente, ressaltei que nos Estados Unidos aceitamos nossa responsabilidade pela violência gerada pelas drogas. A demanda de drogas, incluída aquela nos Estados Unidos, impulsiona esta crise. Por isso, formulamos uma nova estratégia para o controle de drogas, que está focalizada na redução da demanda de drogas através da educação, da prevenção e do tratamento."

O que ele não disse é que, em Honduras, 76 pessoas em cada 100 mil habitantes morrem por causa da violência, 19 vezes mais do que em Cuba, onde praticamente, apesar da proximidade dos Estados Unidos, tal problema apenas existe.

Após algumas tolices, sobre as armas com destino ao México que estão apreendendo, um Acordo Transpacífico, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, com o qual ele diz que estão empenhados em aumentar o "Fundo de Crescimento com micro financiamento para as Américas" e prometer a criação de novas "Vias à Prosperidade" e outros termos altissonantes que pronuncia em inglês e espanhol, volta às suas peregrinas promessas de unidade hemisférica e tenta impressionar os ouvintes com os riscos da mudança climática.

Obama acrescenta: "E se alguém duvida da urgência da mudança climática, basta que vocês olhem dentro do continente americano, desde as fortes tormentas do Caribe até o degelo de glaciares nos Andes e a perda de florestas e terras de cultura em toda a região." Mas, ele não teve o valor de reconhecer que seu país é o máximo responsável por essa tragédia.

Explica que se orgulha de anunciar que "…os Estados Unidos estão trabalhando com parceiros na região, entre eles, o setor privado, para aumentar em 100 mil o número de estudantes dos Estados Unidos na América Latina, e em 100 mil o número de estudantes da América Latina que estudam nos Estados Unidos." Já se sabe o que custa estudar medicina ou outro curso naquele país, e o roubo descarado de cérebros que os Estados Unidos praticam.

Todo seu palavreado para concluir com um louvor à OEA, a qual Roa qualificou como "Ministério de Colônias Ianque", quando em memorável denúncia por parte de nossa Pátria nas Nações Unidas, informou que o governo dos Estados Unidos tinha atacado nosso território, em 15 de abril de 1961, com bombardeiros B-26 pintados com insígnias cubanas; um fato vergonhoso que, daqui a 23 dias, completará 50 anos.

Dessa forma, acreditou que tudo estava perfeitamente pronto para proclamar o direito de subverter a ordem em nosso país.

Confessa publicamente que estão "permitindo que os estadunidenses enviem remessas para dar certa esperança econômica a pessoas de toda Cuba, como também mais independência das autoridades."

"…continuaremos procurando maneiras de aumentar a independência do povo cubano, que tem direito à mesma liberdade que têm todos os outros neste hemisfério."

Depois reconhece que o bloqueio prejudica Cuba, priva a economia de recursos. Por que não reconhece que as intenções de Eisenhower, e o objetivo declarado dos Estados Unidos quando o aplicou, era render por fome o povo de Cuba?

Por que é mantido? De quantas centenas de bilhões de dólares é a indenização que os Estados Unidos devem pagar ao nosso país? Por que mantêm em prisão os Cinco herois antiterroristas cubanos? Por que não é aplicada a Lei de Ajuste a todos os latino-americanos, em vez de permitir que milhares deles sejam mortos ou feridos na fronteira imposta ao México, depois de lhe arrebatar mais da metade do seu território?

Peço desculpa ao presidente dos Estados Unidos por minha franqueza.

Não guardo sentimentos hostis a ele ou ao seu povo. Cumpro o dever de expor aquilo que penso de sua "aliança igualitária".

Nada ganharão os Estados Unidos ao criarem e incentivarem o ofício de mercenários. Posso garantir-lhe que os melhores e mais preparados jovens do nosso país, formados na Universidade das Ciências Informáticas, sabem muito mais de internet e computação do que o Prêmio Nobel e presidente dos Estados Unidos.



Fidel Castro Ruz

22 de março de 2011

21h17

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