sexta-feira, 13 de agosto de 2010

OS SOBREVIVENTES


Encontrei um colega de trabalho nos corredores. Na quinta passada comemorávamos com boas risadas o seu aniversário. No sábado um acidente fatal ceifou a vida de seu pai, com menos de 50 anos, e por sorte, sua mãe sobreviveu. Os parentes que se foram precocemente, os amigos que se foram sem despedidas e mais algumas surpresas que sempre o amanhã nos reserva, leva-me mais uma vez a pensar na transitoriedade da vida. É importante planejar o presente, se possível, o futuro, para que o amanhã não seja tão cruel. Mas é possível planejar diante da surpresa do acaso, da fatalidade? Às vezes queremos o melhor para os nossos entes queridos, e não raro, proferimos discursos como proceder, qual o caminho a trilhar, como agir na preparação do futuro. Antes, pensava em uma profissão para meu filho, onde pudesse sobreviver no mercado de trabalho e em ambiente tão competitivo, que cobra duramente das pessoas o sucesso quase a qualquer preço. De repente, verifico que os meus aconselhamentos, as minhas reflexões acabam por ajudar a formar sua personalidade, principalmente o conceito de solidariedade e fraternidade e ética no trabalho, com os próximos e um enorme respeito ao mais carente. Quanto mais fraco e frágil for uma pessoa, maior deve ser o respeito e a solidariedade. Não ocupar uma posição de superioridade, mesmo nas coisas mais banais, hoje tão complexas como o trânsito nas cidades. Tudo que idealizei, pensei, tornou-se pequeno diante da magnitude dos sonhos. Penso, hoje que meu filho, já pai de uma bela neta, seguiu o seu próprio caminho graças a Deus. Quero apenas que seja um bom cidadão. É o suficiente. Descubro tardiamente que é impossível interferir no horizonte do outro, quando nós mesmos somos sobrevivente de uma selva fria, cada vez mais indiferente ao sofrimento alheio. Não somos donos do próprio destino e da vida. Um simples sopro do vento nos retira de circulação e nos leva para outras paragens. Um mero acidente em nosso frágil corpo deixa-nos prostrados pelo resto da vida. Tento evitar a ansiedade, o sofrimento antecipado e viver um dia de cada vez, sem sonhar em demasia. Os meus sonhos nunca tiveram muito de pessoal, mas de defesa do interesse coletivo, da solidariede. Não deixo de sofrer com as enormes desigualdades existentes. Não depende de mim, não sou indiferente e pretendo permanecer assim. Não depende de nós, como diria uma música já perdida no tempo. Tento ser um sobrevivente, sem perder o ânimo, a fagulha de vida e viver o tempo sem dimensão. Quero apenas rir o riso solto, sem angústia e ansiedade. Somente as relações humanas é o capital importante somado durante os anos de vida. Àquela pessoa, que você não se recorda bem, chamando-o pelo nome e algumas vezes lembrando de algo em comum vivido. É o que vale. O resto é bobagem. Fiz arrolamentos, inventários e pessoas que viveram para acumular bens materiais e restou um pequeno documento amarelado, atestando o fim. Cada dia que nasce o sol e que o dia brilha estamos realmente vivendo e nada melhor do que a cada dia cultivar o poder da gentileza e emitir uma boa palavra. Rir do nada, rir sem razão do silêncio e da vida, porque somos apenas meros sobreviventes de um mundo em ebulição, que ignora os pequenos grãos de areia que ainda somos.

antoniocalixto@aasp.org.br - Ribeirão Preto, 13.08.10

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