quarta-feira, 30 de dezembro de 2009





LÁZARO

No seu corpo magro , os trapos não lhe davam a aparência de mendigo ou andarilho, alguém que necessitasse de esmola. O que lhe era dado, não recusava, mas não pedia. Sua linguagem era o silêncio. Balbuciava poucas palavras, somente com a Mãe.Os dias lhe eram indiferentes, fizesse chuva ou sol. A sua presença era notada pelo incômodo que causava, principalmente quando estava de dorso nu. A Mãe alimentava o seu corpo faminto, ainda que sem fome. A Mãe sofria. Vestia-o e calçava-o. Na manhã seguinte, lá esta ele sem calçados e vestes e não sabendo o que acontecera na noite anterior. Tanto faz. Se foi dilúvio, lua cheia ou uma noite de estrelas. À sua frente, apenas uma nuvem sem forma, o dia ou noite, o que importa. Olhando para aquele farrapo de gente, comecei imaginar como eram pobres as nossas vidas. Preocupados com ceias, com ano-novo, com carros, com férias, com impostos, com o presente e com o futuro. Pobres mortais, tragados pela globalização e pelo consumismo de um capitalismo que faz todos números inúteis, diante grandeza do universo e dos sonhos fúteis que criou. O pior, envelheciam, morriam, adoeciam. Mas pela arrogância, consideravam-se imortais. Aquele homem sofria menos. O dia e a noite, o ontem e o amanhã e o agora lhe eram totalmente estranhos e indiferentes. Não pela busca do prazer, mas por fazer parte da natureza. Envelhecia como as árvores, sem sentir. Um dia partiria sem que fosse notado. E não seria diferente dos monarcas e presidentes, usineiros e banqueiros. Com uma vantagem, não explorou pobres e crianças. Não poluiu. Para muitos era a própria poluição. O frio, o calor, o vento, a chuva, a tempestade eram parte integrantes de sua pele. Não disputa. Não compete. Não consome. Nada de reluzente. Fica apagado na imensa escuridão, ainda que o sol esteja brilhando. Partiu de si mesmo, para não mais voltar. Abandonou com ironia nos lábios, o mundo, o sonho, a esperança. Andou sozinho pelo infinito, sem medir o tempo. Parou diante do mundo e disse: “não vou por onde vocês querem que eu vá. Vim sozinho, continuo sozinho e partirei sozinho. Vou por onde os meus passos trôpegos me guiam. Não serei tragado pela miséria que criaram, pela violência. Não compartilho o banquete de mortes de crianças subnutridas e guerras que matam gerações, em nome da paz. Não tenho ódio, não sei o que é inveja, não quero ser o melhor. “Chamam-me pelo nome de Lázaro. Nem sei se é o meu nome. “Atendo por esse nome e por todas as alcunhas que me colocam por onde passo”. O que importa. Como são idiotas essas pessoas de olhar irônico. Alguns doentes de viver. Quero apenas alguns centímetros do espaço que não foi ocupado pelo grandes eventos, para que eu possa habitar por algumas horas. Amanhã estarei em algum lugar , que não sei onde será. Bem entendido, o abrigo provisório pode ser em qualquer lugar, de preferência que possa fugir temporariamente da chuva e do vento frio da noite. Eles passam, não me olham. Mas eu também não os vejo. O meu universo não é o deles. O meu não tem competição, não tem dinheiro, não tem banco, não tem salário, não tem escrituras. Empresto algumas roupas e não necessito delas. Engulo como banquete a comida que tem pela frente. Se não tiver comida continuo vivendo. “O meu corpo já não estranha a dor e não padece de fome. Eu sei que pouco valor tenho diante dessas pessoas de carros reluzente e roupas brilhantes, que se julga inteligentes e que anda apressadas, sem tempo para olhar para os pássaros e para as plantas, que são as únicas coisas que me pertencem. Posso olhar, observar, sentir a beleza, o cheiro das flores. Não há posseiros. Pertencem aos que conseguem ver. Um dia fui impedido de fazer as “necessidades”. Confesso, que nesse quesito me faltou um pouco de habilidade e classe. Deixava tudo muito sujo para os mortais. Isto também não tem importância. Nem sei onde é o meu próximo abrigo. Não tenho ternos becas, coletes, togas, baionetas, nada que me faça diferente. Não tenho essas fantasias ridículas que poderiam me fazer diferente do que sou e ser olhado com outros olhos. Seria um cidadão normal. Recuso-me a viver a vida desses imbecis, que não dormem sem pensar no dia seguinte. Sei apenas que sou guiado pelo meus passos e que não sigo o caminho pantanoso que traçaram , o mais seguro, o mais reto. Não, “não vou por aí”
(antoniocalixto@aasp.org.br) – Rib.Preto, 28/12/09